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Magnatas do Crime

Antes de falar de "Magnatas do Crime" gostaria de contextualizar o que representará assistir esse filme do diretor Guy Ritchie. Em 2000, quando assisti "Snatch: Porcos e Diamantes" nos cinemas, foi como se minha cabeça explodisse! Era um conceito visual tão diferente e tão alinhado àquela narrativa dinâmica e envolvente, que logo trouxe Ritchie para a minha lista de diretores favoritos. Sinceramente não sei explicar o que acabou me afastando de seus filmes, mas nada que veio depois me impactou, até assistir "Magnatas do Crime"! De fato não existe nada de novo, mas por outro lado fica muito claro, logo nos primeiros minutos, que aquela identidade de "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" e de "Snatch" está de volta e eu diria: no melhor da sua forma!

Na história acompanhamos Michael Pearson (Matthew McConaughey). Elegante como sempre, Pearson está tentando vender o seu império de produção de maconha no Reino Unido, mas percebe que se aposentar em um mercado como esse não é (e nem será) tarefa das mais fáceis. O preço que ele está pedindo soa alto para os potenciais compradores e claro, os interessados no negócio são candidatos a se tornar verdadeiros chefões das drogas, com isso criasse uma espécie de caos, onde quem quer comprar faz de tudo para o preço baixar e quem quer vender não abre mão do valor e do potencial do negócio, mesmo que para isso, seja preciso, digamos, fazer um trabalho sujo! Confira o trailer (em inglês):

O mais bacana do filme, para mim, foi encontrar um Guy Ritchie no que ele sabe fazer de melhor: usar o plot central de um roteiro (que ele mesmo escreveu), para explorar todas as suas possibilidades em diversas ramificações. Isso não é apresentado de maneira simples, é preciso dizer, e muito menos de forma linear, porém tudo funciona tão orgânico que a cada movimento somos surpreendidos pelas reviravoltas da história e quando as peças resolvem se encaixar, tudo faz sentido! Como em "Snatch", por exemplo, não é o "fim" seu maior mérito, mas a "jornada"! 

Entretenimento de ótima qualidade com a assinatura de um diretor (e roteirista) talentoso que pode ter se perdido no meio de suas próprias ambições, mas que se reencontrou e foi capaz de nos entregar diversão do começo ao fim!

Quando Fletcher (Hugh Grant) surge inesperadamente e praticamente força Ray (Charlie Hunnam) a escutar sua história, não sabemos exatamente se estamos escutando o que realmente aconteceu, se é um roteiro de cinema ou as duas coisas se confundindo de acordo com a vontade do seu autor. Essa confusão em um primeiro momento pode parecer enfadonha, mas acredite: não é! Fletcher é o fio condutor de uma trama caótica, porém muito bem organizada por uma montagem digna de prêmios. Tanto os flashbacks, quanto as repetições de cenas por um ponto de vista diferente, funcionam perfeitamente em pró da narrativa - não são muletas, são artifícios bem desenvolvidos pelo diretor e que transformam nossa experiência! Reparem!

O elenco dá um verdadeiro show com atuações no tom exato para o gênero - o que vai te roubar ótimas risadas, inclusive. Matthew McConaughey, Hugh Grant, Charlie Hunnam e Colin Farrell (Coach) estão impagáveis! A própria Michelle Dockery e o sempre competente Jeremy Strong funcionam perfeitamente para a narrativa, mesmo com pouco tempo de tela. O figurino é outro elemento que merece atenção: ele trás um tom farsesco para o filme, transformando a caracterização exagerada em atitude do personagem - como se as tribos fossem separadas pelo que vestem, não pelo que são ou pelo que falam! 

"The Gentlemen" (título original) é inteligente, irônico e até um pouco audacioso se levarmos em conta que a narrativa é totalmente desconstruída até voltar a fazer sentido no terceiro ato. Mesmo navegando em aguas que lhe trazem segurança, Guy Ritchie prova sua importância para o roteiro dos novatos na função, Ivan Atkinson e Marn Davies, da mesma forma que interfere no trabalho dos seus montadores: o parceiro de longa data, James Herbert, e o seu novo respiro conceitual, Paul Machliss.

Resumindo: "Magnatas do Crime" é um filme de Guy Ritchie da mesma forma que "Era uma vez em Hollywood" é do Tarantino!

Assista Agora

Antes de falar de "Magnatas do Crime" gostaria de contextualizar o que representará assistir esse filme do diretor Guy Ritchie. Em 2000, quando assisti "Snatch: Porcos e Diamantes" nos cinemas, foi como se minha cabeça explodisse! Era um conceito visual tão diferente e tão alinhado àquela narrativa dinâmica e envolvente, que logo trouxe Ritchie para a minha lista de diretores favoritos. Sinceramente não sei explicar o que acabou me afastando de seus filmes, mas nada que veio depois me impactou, até assistir "Magnatas do Crime"! De fato não existe nada de novo, mas por outro lado fica muito claro, logo nos primeiros minutos, que aquela identidade de "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" e de "Snatch" está de volta e eu diria: no melhor da sua forma!

Na história acompanhamos Michael Pearson (Matthew McConaughey). Elegante como sempre, Pearson está tentando vender o seu império de produção de maconha no Reino Unido, mas percebe que se aposentar em um mercado como esse não é (e nem será) tarefa das mais fáceis. O preço que ele está pedindo soa alto para os potenciais compradores e claro, os interessados no negócio são candidatos a se tornar verdadeiros chefões das drogas, com isso criasse uma espécie de caos, onde quem quer comprar faz de tudo para o preço baixar e quem quer vender não abre mão do valor e do potencial do negócio, mesmo que para isso, seja preciso, digamos, fazer um trabalho sujo! Confira o trailer (em inglês):

O mais bacana do filme, para mim, foi encontrar um Guy Ritchie no que ele sabe fazer de melhor: usar o plot central de um roteiro (que ele mesmo escreveu), para explorar todas as suas possibilidades em diversas ramificações. Isso não é apresentado de maneira simples, é preciso dizer, e muito menos de forma linear, porém tudo funciona tão orgânico que a cada movimento somos surpreendidos pelas reviravoltas da história e quando as peças resolvem se encaixar, tudo faz sentido! Como em "Snatch", por exemplo, não é o "fim" seu maior mérito, mas a "jornada"! 

Entretenimento de ótima qualidade com a assinatura de um diretor (e roteirista) talentoso que pode ter se perdido no meio de suas próprias ambições, mas que se reencontrou e foi capaz de nos entregar diversão do começo ao fim!

Quando Fletcher (Hugh Grant) surge inesperadamente e praticamente força Ray (Charlie Hunnam) a escutar sua história, não sabemos exatamente se estamos escutando o que realmente aconteceu, se é um roteiro de cinema ou as duas coisas se confundindo de acordo com a vontade do seu autor. Essa confusão em um primeiro momento pode parecer enfadonha, mas acredite: não é! Fletcher é o fio condutor de uma trama caótica, porém muito bem organizada por uma montagem digna de prêmios. Tanto os flashbacks, quanto as repetições de cenas por um ponto de vista diferente, funcionam perfeitamente em pró da narrativa - não são muletas, são artifícios bem desenvolvidos pelo diretor e que transformam nossa experiência! Reparem!

O elenco dá um verdadeiro show com atuações no tom exato para o gênero - o que vai te roubar ótimas risadas, inclusive. Matthew McConaughey, Hugh Grant, Charlie Hunnam e Colin Farrell (Coach) estão impagáveis! A própria Michelle Dockery e o sempre competente Jeremy Strong funcionam perfeitamente para a narrativa, mesmo com pouco tempo de tela. O figurino é outro elemento que merece atenção: ele trás um tom farsesco para o filme, transformando a caracterização exagerada em atitude do personagem - como se as tribos fossem separadas pelo que vestem, não pelo que são ou pelo que falam! 

"The Gentlemen" (título original) é inteligente, irônico e até um pouco audacioso se levarmos em conta que a narrativa é totalmente desconstruída até voltar a fazer sentido no terceiro ato. Mesmo navegando em aguas que lhe trazem segurança, Guy Ritchie prova sua importância para o roteiro dos novatos na função, Ivan Atkinson e Marn Davies, da mesma forma que interfere no trabalho dos seus montadores: o parceiro de longa data, James Herbert, e o seu novo respiro conceitual, Paul Machliss.

Resumindo: "Magnatas do Crime" é um filme de Guy Ritchie da mesma forma que "Era uma vez em Hollywood" é do Tarantino!

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Maligno

Vou procurar ser o mais honesto e direto possível ao analisar "Maligno": só assista se você gostar do estilo de narrativa do Stephen King (embora essa não seja uma obra do autor) e se você não se incomodar com a linha extremamente tênue entre o trash e o suspense sobrenatural com toques de terror "anos 80". Veja, nenhuma dessas características que citei devem ser interpretadas como depreciativas, muito pelo contrário, pois esse filme dirigido pelo James Wan (de "Invocação do Mal") além de ter a sua já conhecida identidade, é um mergulho no terror clássico como obra cinematográfica de extrema qualidade.

No filme, acompanhamos Madison Mitchell (Annabelle Wallis) tendo dificuldades de relacionamento com o marido, deixando claro se tratar de um casamento repleto de violência doméstica. Até que um vulto cresce das sombras, como uma espécie de assombração, para por fim nessa questão. Recém viúva, Madison passa a ter assustadoras visões de pessoas sendo assassinadas seguindo o mesmo padrão da forma como seu marido foi morto, transformando sua posição de vítima em uma potencial suspeita de todos esses crimes. Confira o trailer:

Talvez o que mais chama a atenção em "Maligno" seja a forma como o roteiro (da romena Ingrid Bisu e da já parceira de Wam, Akela Cooper) transita entre os vários subgêneros do terror e do suspense, usando de inúmeras referências narrativas e visuais para contar sua história - eu diria que é quase uma homenagem velada. Essa escolha conceitual se mostra muito acertada, já que Wan, além de dominar a gramática do terror, se apropria de elementos narrativos tão vastos que criam uma total imprevisibilidade para a trama. Se inicialmente temos a impressão de que o filme vai beber da fonte de um clássico horror japonês, rapidamente somos arremessados pelo suspense sobrenatural (em uma clara citação a “Poltergeist") até chegarmos em um thriller de investigação como em "Outsider", por exemplo. A questão é que essa dinâmica muda tão rapidamente que pode incomodar quem assiste pela quebra de expectativa ou até pela decepção pelos caminhos escolhidos.

Embora o roteiro seja bastante competente (e aqui eu destaco os ótimos e pontuais alívios cômicos), todos os personagens se apoiam no estereótipo para compor as cenas e criar o clima que Wan quer "homenagear". A transformação da trama e o impacto nos personagens vão se transformando do realismo cotidiano brutal das relações tóxicas até chegar no anti-naturalismo digno de Quentin Tarantino. Tudo é muito bem orquestrado artisticamente e tecnicamente, com um desenho de produção belíssimo da Desma Murphy, uma fotografia ajustada ao conceito de Wan do seu sempre parceiro Michael Burgess, um trilha sonora de personalidade do Joseph Bishara até chegar na bem executada cenas de CG com efeitos visuais excelentes.

Resumindo, ao sintetizar e nos mostrar tudo do que o gênero pode entregar, "Maligno" transporta para as telas muito dos medos e dos receios que permeiam o imaginário coletivo, com gatinhos emocionais que nos puxam da memória aquilo que mais nos marcou quando nem ao menos sabíamos diferenciar o que era ficção de realidade. O filme é sim uma declaração de amor aos fãs do terror, mas sem esquecer do prazer que é assistir um entretenimento de ótima qualidade que não tem a menor obrigação de se levar a sério sempre.

Vale a pena, mas só para aqueles que estiverem dispostos a embarcar na proposta original de um filme que não tem nada de "original".

Assista Agora

Vou procurar ser o mais honesto e direto possível ao analisar "Maligno": só assista se você gostar do estilo de narrativa do Stephen King (embora essa não seja uma obra do autor) e se você não se incomodar com a linha extremamente tênue entre o trash e o suspense sobrenatural com toques de terror "anos 80". Veja, nenhuma dessas características que citei devem ser interpretadas como depreciativas, muito pelo contrário, pois esse filme dirigido pelo James Wan (de "Invocação do Mal") além de ter a sua já conhecida identidade, é um mergulho no terror clássico como obra cinematográfica de extrema qualidade.

No filme, acompanhamos Madison Mitchell (Annabelle Wallis) tendo dificuldades de relacionamento com o marido, deixando claro se tratar de um casamento repleto de violência doméstica. Até que um vulto cresce das sombras, como uma espécie de assombração, para por fim nessa questão. Recém viúva, Madison passa a ter assustadoras visões de pessoas sendo assassinadas seguindo o mesmo padrão da forma como seu marido foi morto, transformando sua posição de vítima em uma potencial suspeita de todos esses crimes. Confira o trailer:

Talvez o que mais chama a atenção em "Maligno" seja a forma como o roteiro (da romena Ingrid Bisu e da já parceira de Wam, Akela Cooper) transita entre os vários subgêneros do terror e do suspense, usando de inúmeras referências narrativas e visuais para contar sua história - eu diria que é quase uma homenagem velada. Essa escolha conceitual se mostra muito acertada, já que Wan, além de dominar a gramática do terror, se apropria de elementos narrativos tão vastos que criam uma total imprevisibilidade para a trama. Se inicialmente temos a impressão de que o filme vai beber da fonte de um clássico horror japonês, rapidamente somos arremessados pelo suspense sobrenatural (em uma clara citação a “Poltergeist") até chegarmos em um thriller de investigação como em "Outsider", por exemplo. A questão é que essa dinâmica muda tão rapidamente que pode incomodar quem assiste pela quebra de expectativa ou até pela decepção pelos caminhos escolhidos.

Embora o roteiro seja bastante competente (e aqui eu destaco os ótimos e pontuais alívios cômicos), todos os personagens se apoiam no estereótipo para compor as cenas e criar o clima que Wan quer "homenagear". A transformação da trama e o impacto nos personagens vão se transformando do realismo cotidiano brutal das relações tóxicas até chegar no anti-naturalismo digno de Quentin Tarantino. Tudo é muito bem orquestrado artisticamente e tecnicamente, com um desenho de produção belíssimo da Desma Murphy, uma fotografia ajustada ao conceito de Wan do seu sempre parceiro Michael Burgess, um trilha sonora de personalidade do Joseph Bishara até chegar na bem executada cenas de CG com efeitos visuais excelentes.

Resumindo, ao sintetizar e nos mostrar tudo do que o gênero pode entregar, "Maligno" transporta para as telas muito dos medos e dos receios que permeiam o imaginário coletivo, com gatinhos emocionais que nos puxam da memória aquilo que mais nos marcou quando nem ao menos sabíamos diferenciar o que era ficção de realidade. O filme é sim uma declaração de amor aos fãs do terror, mas sem esquecer do prazer que é assistir um entretenimento de ótima qualidade que não tem a menor obrigação de se levar a sério sempre.

Vale a pena, mas só para aqueles que estiverem dispostos a embarcar na proposta original de um filme que não tem nada de "original".

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Moonlight

"Moonlight" é um grande filme - uma história que mostra uma realidade dura, mas sem ser piegas. Chega ser surpreendente como as coisas acontecem na vida do protagonista! "Moonlight" tem o mérito de focar nas ligações humanas e na auto-descoberta, através da vida de um jovem afro-americano desde a sua infância até à idade adulta, acompanhando a sua luta até encontrar um lugar no mundo à medida que vai crescendo em um bairro pobre de Miami. O filme é um retrato real da vida contemporânea da comunidade afro-americana ao mesmo tempo que é um convite à uma reflexão profundamente pessoal sobre identidade! Confira o trailer:

Sem dúvida, o melhor trabalho entre os indicados ao Oscar 2017 para melhor diretor ao lado do Denis Villeneuve (com "A Chegada") - e isso fez muita diferença no filme, pois a sensibilidade do diretor transformou uma jornada impactante (e até já vista) em algo original e surpreendente em muitos momentos. Baseado no projeto “In Moonlight Black Boys Look Blue” de Tarell Alvin McCraney, acompanhar a transformação na vida de Chiron (Ashton Sanders) durante três fases: infância, adolescência e maturidade, nos tira completamente da zona de conforto e nos move em uma incrível jornada - se não tão emotiva como em "Lion", certamente mais impactante!

Barry Jenkins mandou muito bem nas escolhas dos planos, dos movimentos e principalmente na direção dos atores - Mahershala Ali como Juan é quase uma barbada na categoria de ator coadjuvante! A maneira como Jenkins usou o silencio para trazer as sensações que a história pedia é impressionante! Confesso que não conhecia o trabalho dele e gostei muito! Um diretor com muita personalidade pra quem está apenas no segundo longa-metragem e que merece ser observado de perto - vale ressaltar que Barry Jenkins já tinha uma carreira bastante sólida em festivais de curtas-metragem e seu primeiro filme já havia chamado muita atenção dos críticos!

A fotografia de "Moonlight" do diretor James Laxton (companheiro de longa data de Jenkins desde seu primeiro curta em 2003) também é incrível, mas não acho que levaria o prêmio pelos concorrentes fortes que tem nessa categoria! Outra do elenco que mereceria o prêmio é a Naomie Harris que interpreta a mãe do protagonista e concorre como atriz coadjuvante! Está certo que o papel é um presente: uma viciada em crack! Ma ela simplesmente destrói!

Nas outras categorias em que o filme foi indicado, e são 8 no total, Roteiro Adaptado corre por fora, mas não me surpreenderia se ganhasse. Embora "Moonlight" tenha sido muito premiado em festivas pelo mundo, não acho que teria força pra desbancar os favoritos como Melhor Filme, embora tem tenha todos os elementos para isso! O que eu posso dizer é que, independente de qualquer coisa, temos mais um grande filme em uma temporada muito pulverizada nos gêneros!

Vale muito o seu play - daquele para ver e rever!

Up-date: "Moonlight" ganhou em três categorias no Oscar 2017: Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado e, surpreendeu como, Melhor Filme!

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"Moonlight" é um grande filme - uma história que mostra uma realidade dura, mas sem ser piegas. Chega ser surpreendente como as coisas acontecem na vida do protagonista! "Moonlight" tem o mérito de focar nas ligações humanas e na auto-descoberta, através da vida de um jovem afro-americano desde a sua infância até à idade adulta, acompanhando a sua luta até encontrar um lugar no mundo à medida que vai crescendo em um bairro pobre de Miami. O filme é um retrato real da vida contemporânea da comunidade afro-americana ao mesmo tempo que é um convite à uma reflexão profundamente pessoal sobre identidade! Confira o trailer:

Sem dúvida, o melhor trabalho entre os indicados ao Oscar 2017 para melhor diretor ao lado do Denis Villeneuve (com "A Chegada") - e isso fez muita diferença no filme, pois a sensibilidade do diretor transformou uma jornada impactante (e até já vista) em algo original e surpreendente em muitos momentos. Baseado no projeto “In Moonlight Black Boys Look Blue” de Tarell Alvin McCraney, acompanhar a transformação na vida de Chiron (Ashton Sanders) durante três fases: infância, adolescência e maturidade, nos tira completamente da zona de conforto e nos move em uma incrível jornada - se não tão emotiva como em "Lion", certamente mais impactante!

Barry Jenkins mandou muito bem nas escolhas dos planos, dos movimentos e principalmente na direção dos atores - Mahershala Ali como Juan é quase uma barbada na categoria de ator coadjuvante! A maneira como Jenkins usou o silencio para trazer as sensações que a história pedia é impressionante! Confesso que não conhecia o trabalho dele e gostei muito! Um diretor com muita personalidade pra quem está apenas no segundo longa-metragem e que merece ser observado de perto - vale ressaltar que Barry Jenkins já tinha uma carreira bastante sólida em festivais de curtas-metragem e seu primeiro filme já havia chamado muita atenção dos críticos!

A fotografia de "Moonlight" do diretor James Laxton (companheiro de longa data de Jenkins desde seu primeiro curta em 2003) também é incrível, mas não acho que levaria o prêmio pelos concorrentes fortes que tem nessa categoria! Outra do elenco que mereceria o prêmio é a Naomie Harris que interpreta a mãe do protagonista e concorre como atriz coadjuvante! Está certo que o papel é um presente: uma viciada em crack! Ma ela simplesmente destrói!

Nas outras categorias em que o filme foi indicado, e são 8 no total, Roteiro Adaptado corre por fora, mas não me surpreenderia se ganhasse. Embora "Moonlight" tenha sido muito premiado em festivas pelo mundo, não acho que teria força pra desbancar os favoritos como Melhor Filme, embora tem tenha todos os elementos para isso! O que eu posso dizer é que, independente de qualquer coisa, temos mais um grande filme em uma temporada muito pulverizada nos gêneros!

Vale muito o seu play - daquele para ver e rever!

Up-date: "Moonlight" ganhou em três categorias no Oscar 2017: Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado e, surpreendeu como, Melhor Filme!

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Morbius

"Morbius" cumpre seu papel de apresentar o personagem por ser uma história de origem, mas está muito longe do que poderia ser - e aqui cabe uma observação: nem tudo que funciona na HQ, vai funcionar no cinema se você não tiver o mínimo de bom senso em estruturar a história para que ela que seja coerente com aquele universo na qual ela faz parte. O filme tem sim boas sequências, uma atmosfera um pouco mais densa do que estamos acostumados nos filmes da Marvel e eu diria que até diverte para quem gosta muito do gênero, mas cá entre nós, parece um filme do começo dos anos 2000.

Com uma rara doença no sangue, e determinado a salvar outras pessoas com esse mesmo destino, Dr. Morbius (Jared Leto) tenta uma aposta extrema: misturar o DNA de morcegos vampiros com o humano. O que antes parecia uma grande descoberta científica e de enorme sucesso, se revelou uma solução pior que a própria doença. Confira o trailer:

Eu tenho certeza que o diretor sueco Daniel Espinosa ("Crimes Ocultos") não teve a liberdade para montar o filme da maneira que ele gostaria. A não ser que o roteiro seja muito ruim, dado o potencial do personagem - o que vemos na tela é uma história confusa, cheia de soluções óbvias (razão pela qual criticávamos tanto a DC) e cenas que não levam a absolutamente lugar algum. Veja, se olharmos "Morbius" em camadas, temos momentos interessantes, bem dirigidos e até com efeitos interessantes; o problema é que todos esses pontos oscilam muito durando filme, nada se sustenta de maneira fluida - talvez apenas a fotografia Oliver Wood (da franquia "Bourne") e, acreditem, a performance de Jared Leto, não se encaixem nas inúmeras falhas do filme. Talvez Matt Smith como Milo, possa se salvar também.

As cenas pós-crédito (são duas) que teoricamente conectam o personagem ao universo do Homem-Aranha a partir da relação entre Adrian Toomes (Michael Keaton), o Abutre, e o anti-herói, não tem a menor conexão com a história que acabou de ser contada e até com o personagem que vimos nascer - o diálogo entre Toomes e o Dr. Morbius é constrangedor de ruim. O que provavelmente vai diminuir a decepção pelo filme será a forma como o personagem vai se desenvolver daqui para frente, e digo isso com muita tranquilidade porque já vimos filmes de origem que mesmo aquém do esperado ajudaram a compor o arco maior e passaram a serem vistos como uma peça importante dentro de um quebra-cabeça maior.

Sinceramente esse é o tipo de filme que vai agradar apenas aquele fã de filmes de herói que se obriga a assistir todas as produções para poder se sentir confortável com toda a saga que está sendo criada. Para aqueles que não conhecem o personagem, muito pode ser aproveitado. Para os que já conhecem, uma ou outra cena vai agradar e só!

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"Morbius" cumpre seu papel de apresentar o personagem por ser uma história de origem, mas está muito longe do que poderia ser - e aqui cabe uma observação: nem tudo que funciona na HQ, vai funcionar no cinema se você não tiver o mínimo de bom senso em estruturar a história para que ela que seja coerente com aquele universo na qual ela faz parte. O filme tem sim boas sequências, uma atmosfera um pouco mais densa do que estamos acostumados nos filmes da Marvel e eu diria que até diverte para quem gosta muito do gênero, mas cá entre nós, parece um filme do começo dos anos 2000.

Com uma rara doença no sangue, e determinado a salvar outras pessoas com esse mesmo destino, Dr. Morbius (Jared Leto) tenta uma aposta extrema: misturar o DNA de morcegos vampiros com o humano. O que antes parecia uma grande descoberta científica e de enorme sucesso, se revelou uma solução pior que a própria doença. Confira o trailer:

Eu tenho certeza que o diretor sueco Daniel Espinosa ("Crimes Ocultos") não teve a liberdade para montar o filme da maneira que ele gostaria. A não ser que o roteiro seja muito ruim, dado o potencial do personagem - o que vemos na tela é uma história confusa, cheia de soluções óbvias (razão pela qual criticávamos tanto a DC) e cenas que não levam a absolutamente lugar algum. Veja, se olharmos "Morbius" em camadas, temos momentos interessantes, bem dirigidos e até com efeitos interessantes; o problema é que todos esses pontos oscilam muito durando filme, nada se sustenta de maneira fluida - talvez apenas a fotografia Oliver Wood (da franquia "Bourne") e, acreditem, a performance de Jared Leto, não se encaixem nas inúmeras falhas do filme. Talvez Matt Smith como Milo, possa se salvar também.

As cenas pós-crédito (são duas) que teoricamente conectam o personagem ao universo do Homem-Aranha a partir da relação entre Adrian Toomes (Michael Keaton), o Abutre, e o anti-herói, não tem a menor conexão com a história que acabou de ser contada e até com o personagem que vimos nascer - o diálogo entre Toomes e o Dr. Morbius é constrangedor de ruim. O que provavelmente vai diminuir a decepção pelo filme será a forma como o personagem vai se desenvolver daqui para frente, e digo isso com muita tranquilidade porque já vimos filmes de origem que mesmo aquém do esperado ajudaram a compor o arco maior e passaram a serem vistos como uma peça importante dentro de um quebra-cabeça maior.

Sinceramente esse é o tipo de filme que vai agradar apenas aquele fã de filmes de herói que se obriga a assistir todas as produções para poder se sentir confortável com toda a saga que está sendo criada. Para aqueles que não conhecem o personagem, muito pode ser aproveitado. Para os que já conhecem, uma ou outra cena vai agradar e só!

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Nem um Passo em Falso

Nem um Passo em Falso

"Nem um Passo em Falso" é muito divertido! O filme traz todo o talento do diretor Steven Soderbergh (Traffic) e sua enorme capacidade de construir uma narrativa visualmente deslumbrante e extremamente alinhada com um roteiro tão bom quanto - e aqui o mérito é de Ed Solomon (Bill e Ted: Encare a Música). O filme é uma maravilhosa mistura (e por favor me perdoem pela licença criativa) de "Magnatas do Crime"do diretor Guy Ritchie com o "O Irlandês"do Scorsese.

A premissa é relativamente simples: situado em 1955, em Detroit, o filme acompanha um grupo de pequenos criminosos que foram contratados para roubar o que parecia ser apenas um documento, mas que depois se descobre, claro, ser mais importante do que isso - um projeto que vai mudar a história da humanidade (sem exageros). Confira o trailer:

É de se imaginar que o plano inicial fracassa e que a partir daí temos uma verdadeira corrida contra o tempo, cheio de traições e reviravoltas, onde os protagonistas Curt Goynes (Don Cheadle) e Ronald Russo (Benicio Del Toro) precisam escapar da polícia, de grupos mafiosos e ainda tentar se dar bem financeiramente. Olha, é um verdadeiro jogo de xadrez e visto que todos os personagens tem uma enorme importância na narrativa, é preciso prestar muita atenção para não perder em uma série de detalhes que fazem desse roteiro uma coisas mais interessantes que assisti em 2021.

Será natural se algumas pessoas acharem a história complexa e é aqui que Soderbergh mostra sua maturidade: ele cria uma dinâmica narrativa de perder o fôlego, mas não inventa tanta moda - ele é direto, sem rodeios. Seu foco não é impor sua habilidade inventiva (embora as use) e sim colocar a câmera no lugar certa e deixar os atores brilharem - Don Cheadle e Benicio Del Toro não decepcionam e não vou me surpreender se chegarem fortes na temporada de premiação de 2022. Veja, é interessante como Steven Soderbergh usa sua criatividade para compor algumas cenas, mas sem se sobressair ao texto - quando ele usa uma lente que gera uma certa distorção da imagem com o objetivo de criar a sensação de que algo não está certo e que aquele momento pode ter consequências graves, temos a exata confirmação da sua capacidade como cineasta, mas sem querer aparecer mais que a história. 

Outro ponto que me chamou a atenção é a montagem - elegante e sucinta, serve como "fio condutor" sem precisar ser didática demais. Nesse ponto, inclusive, a história se fasta de Guy Ritchie e se aproxima Scorsese. Reparem como o filme nunca deixa de ser uma trama sobre um assalto - são pessoas que montaram um plano e que estão, essencialmente, em busca de dinheiro e alimentando sua ganância. Pontuado isso, eu diria que "No Sudden Move" (no original) tem mais ação do que drama e é muito mais entretenimento do que uma imersão no submundo da Máfia, ou seja, um equilíbrio perfeito entre uma boa história e uma atmosfera complexa, mas envolvente - com um diretor talentoso no melhor da sua forma! Vale muito a pena!

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"Nem um Passo em Falso" é muito divertido! O filme traz todo o talento do diretor Steven Soderbergh (Traffic) e sua enorme capacidade de construir uma narrativa visualmente deslumbrante e extremamente alinhada com um roteiro tão bom quanto - e aqui o mérito é de Ed Solomon (Bill e Ted: Encare a Música). O filme é uma maravilhosa mistura (e por favor me perdoem pela licença criativa) de "Magnatas do Crime"do diretor Guy Ritchie com o "O Irlandês"do Scorsese.

A premissa é relativamente simples: situado em 1955, em Detroit, o filme acompanha um grupo de pequenos criminosos que foram contratados para roubar o que parecia ser apenas um documento, mas que depois se descobre, claro, ser mais importante do que isso - um projeto que vai mudar a história da humanidade (sem exageros). Confira o trailer:

É de se imaginar que o plano inicial fracassa e que a partir daí temos uma verdadeira corrida contra o tempo, cheio de traições e reviravoltas, onde os protagonistas Curt Goynes (Don Cheadle) e Ronald Russo (Benicio Del Toro) precisam escapar da polícia, de grupos mafiosos e ainda tentar se dar bem financeiramente. Olha, é um verdadeiro jogo de xadrez e visto que todos os personagens tem uma enorme importância na narrativa, é preciso prestar muita atenção para não perder em uma série de detalhes que fazem desse roteiro uma coisas mais interessantes que assisti em 2021.

Será natural se algumas pessoas acharem a história complexa e é aqui que Soderbergh mostra sua maturidade: ele cria uma dinâmica narrativa de perder o fôlego, mas não inventa tanta moda - ele é direto, sem rodeios. Seu foco não é impor sua habilidade inventiva (embora as use) e sim colocar a câmera no lugar certa e deixar os atores brilharem - Don Cheadle e Benicio Del Toro não decepcionam e não vou me surpreender se chegarem fortes na temporada de premiação de 2022. Veja, é interessante como Steven Soderbergh usa sua criatividade para compor algumas cenas, mas sem se sobressair ao texto - quando ele usa uma lente que gera uma certa distorção da imagem com o objetivo de criar a sensação de que algo não está certo e que aquele momento pode ter consequências graves, temos a exata confirmação da sua capacidade como cineasta, mas sem querer aparecer mais que a história. 

Outro ponto que me chamou a atenção é a montagem - elegante e sucinta, serve como "fio condutor" sem precisar ser didática demais. Nesse ponto, inclusive, a história se fasta de Guy Ritchie e se aproxima Scorsese. Reparem como o filme nunca deixa de ser uma trama sobre um assalto - são pessoas que montaram um plano e que estão, essencialmente, em busca de dinheiro e alimentando sua ganância. Pontuado isso, eu diria que "No Sudden Move" (no original) tem mais ação do que drama e é muito mais entretenimento do que uma imersão no submundo da Máfia, ou seja, um equilíbrio perfeito entre uma boa história e uma atmosfera complexa, mas envolvente - com um diretor talentoso no melhor da sua forma! Vale muito a pena!

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Nuevo Orden

Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

Vale muito o seu play! 

Assista Agora

Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

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O Abraço da Serpente

"O Abraço da Serpente" é um filme muito complicado de assistir, que foge dos padrões estéticos e narrativos que estamos acostumados, e mesmo chancelado por mais de 40 prêmios em Festivais Internacionais (que incluem Cannes e Sundance), além de uma indicação de "Melhor Filme Internacional" no Oscar 2016, eu diria que apenas um público muito pequeno e selecionado vai se conectar com a história e se permitir às profundas reflexões que o diretor colombiano Ciro Guerra propõe. 

Com a ajuda do xamã Karamakate (Nilbio Torres), Theodor Koch-Grunberg (Jan Bijvoet), um famoso explorador europeu, percorreu centenas de quilómetros do rio Amazonas quando, gravemente doente, buscava uma flor que poderia ser o objeto de sua cura. Anos depois, Richard Evans Schultes (Brionne Davis), considerado o pai da etnobotânica moderna, que tendo as publicações de Grunberg em mãos, tenta refazer os passos do pesquisador ao lado do mesmo Karamakate (aqui Antonio Bolívar) para encontrar a tal planta lendária. Confira o trailer:

O "preto e branco" da fotografia de David Gallego (de "Sal") é um contraponto potente com a diversidade de cores que representa o cenário por onde a história do filme se desenrola, mas ao mesmo tempo foi a forma como Guerra estabeleceu a frieza daqueles dois recortes temporais - quando acompanhamos Théo, estamos nos primeiros anos da década de 1900; quando somos apresentados para Evans, já estamos no meio do século; porém nada mudou, ou melhor, se transformou em algo muito pior! A missão religiosa (e o que isso se tornou) nos causa um forte (forte mesmo) impacto emocional - é incrível como o filme se apropria de uma linguagem quase documental para explorar de forma antropológica como a cultura indígena foi destruída (ou ceifada) pela catequização. A passagem que mostra o Messias louco no meio do "nada" é tão atual quanto a assustadora relação do um missionário colombiano com crianças indígenas - tudo em nome de Deus.

Grande parte de "O Abraço da Serpente" nos entrega a natureza como parte de uma jornada espiritual. Há muito simbolismo e até metáforas já que a percepção de mundo de um xamã é completamente diferente de um ocidental, no entanto, é muito interessante como o roteiro conecta esses dois mundos e propõe uma discussão inteligente sobre ação e consequência - mesmo que em alguns momentos soe como ato de boa-fé (a passagem da bússola é um bom exemplo, reparem). Tanto Bijvoet quanto Davis estão impecáveis na pele dos exploradores, mas, sem dúvida, é Nilbio Torres que se destaca - é impressionante como é possível sentir sua dor sem ao menos precisar entender uma palavra do seu dialeto.

"O Abraço da Serpente" retrata tantas nuances da colonização cultural na América que chega a embrulhar o estômago. Poucas vezes vi a ficção ser tão dura (e realista) sem precisar exaltar o indígena como individuo intocável. Esse realismo visceral só nos ajuda a entender como a preservação antropológica de uma cultura é importante e como ela continua praticamente esquecida até hoje. O filme é sim uma forte crítica a todas questões pertinentes que envolveram a colonização, como a extração irregular das riquezas naturais (para produzir borracha), ou o braço pesado do homem branco sobre o povo indígena como elemento de imposição e, claro, o total esgotamento (contínuo) de um povo cheio de sabedoria que já não existe mais.

Não espere uma jornada fácil - o que você vai encontrar é uma jornada cadenciada, profunda e de difícil absorção; mas que vale muito a pena!

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"O Abraço da Serpente" é um filme muito complicado de assistir, que foge dos padrões estéticos e narrativos que estamos acostumados, e mesmo chancelado por mais de 40 prêmios em Festivais Internacionais (que incluem Cannes e Sundance), além de uma indicação de "Melhor Filme Internacional" no Oscar 2016, eu diria que apenas um público muito pequeno e selecionado vai se conectar com a história e se permitir às profundas reflexões que o diretor colombiano Ciro Guerra propõe. 

Com a ajuda do xamã Karamakate (Nilbio Torres), Theodor Koch-Grunberg (Jan Bijvoet), um famoso explorador europeu, percorreu centenas de quilómetros do rio Amazonas quando, gravemente doente, buscava uma flor que poderia ser o objeto de sua cura. Anos depois, Richard Evans Schultes (Brionne Davis), considerado o pai da etnobotânica moderna, que tendo as publicações de Grunberg em mãos, tenta refazer os passos do pesquisador ao lado do mesmo Karamakate (aqui Antonio Bolívar) para encontrar a tal planta lendária. Confira o trailer:

O "preto e branco" da fotografia de David Gallego (de "Sal") é um contraponto potente com a diversidade de cores que representa o cenário por onde a história do filme se desenrola, mas ao mesmo tempo foi a forma como Guerra estabeleceu a frieza daqueles dois recortes temporais - quando acompanhamos Théo, estamos nos primeiros anos da década de 1900; quando somos apresentados para Evans, já estamos no meio do século; porém nada mudou, ou melhor, se transformou em algo muito pior! A missão religiosa (e o que isso se tornou) nos causa um forte (forte mesmo) impacto emocional - é incrível como o filme se apropria de uma linguagem quase documental para explorar de forma antropológica como a cultura indígena foi destruída (ou ceifada) pela catequização. A passagem que mostra o Messias louco no meio do "nada" é tão atual quanto a assustadora relação do um missionário colombiano com crianças indígenas - tudo em nome de Deus.

Grande parte de "O Abraço da Serpente" nos entrega a natureza como parte de uma jornada espiritual. Há muito simbolismo e até metáforas já que a percepção de mundo de um xamã é completamente diferente de um ocidental, no entanto, é muito interessante como o roteiro conecta esses dois mundos e propõe uma discussão inteligente sobre ação e consequência - mesmo que em alguns momentos soe como ato de boa-fé (a passagem da bússola é um bom exemplo, reparem). Tanto Bijvoet quanto Davis estão impecáveis na pele dos exploradores, mas, sem dúvida, é Nilbio Torres que se destaca - é impressionante como é possível sentir sua dor sem ao menos precisar entender uma palavra do seu dialeto.

"O Abraço da Serpente" retrata tantas nuances da colonização cultural na América que chega a embrulhar o estômago. Poucas vezes vi a ficção ser tão dura (e realista) sem precisar exaltar o indígena como individuo intocável. Esse realismo visceral só nos ajuda a entender como a preservação antropológica de uma cultura é importante e como ela continua praticamente esquecida até hoje. O filme é sim uma forte crítica a todas questões pertinentes que envolveram a colonização, como a extração irregular das riquezas naturais (para produzir borracha), ou o braço pesado do homem branco sobre o povo indígena como elemento de imposição e, claro, o total esgotamento (contínuo) de um povo cheio de sabedoria que já não existe mais.

Não espere uma jornada fácil - o que você vai encontrar é uma jornada cadenciada, profunda e de difícil absorção; mas que vale muito a pena!

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O Acusado

Noventa minutos de muita tensão e angústia, é isso que você vai encontrar no ótimo "O Acusado". Na linha tênue entre "Zona de Confronto" "O Homem nas Trevas" e "Bata Antes de Entrar", o novo filme do talentoso diretor inglês Philip Barantini (o mesmo do sucesso, "O Chef") surpreende tanto pela dinâmica claustrofóbica de sua narrativa quanto pela critica extremamente atual contra uma geração "rede social" que se coloca em uma posição de superioridade ao achar que sua opinião é de fato uma verdade universal sem pensar nas consequências que ela pode representar para o ser humano, ainda mais se esse se encaixar no estereótipo de quem sofre algum tipo de discriminação. Disseminar "incertezas" pode ser muito mais perigoso em tempos de "justiça digital".

Aqui acompanhamos a história de terror vivida por Harri Bhavsar (Chaneil Kular), um jovem paquistanês que precisa lidar com uma injustiça brutal: ele é apontado como o responsável por uma atentado a bomba no metrô de Londres, simplesmente por parecer com um possível suspeito - sim, eu disse "possível" suspeito. De uma hora para a outra o jovem passa a ser perseguido e ameaçado pela internet até que justiceiros começam a caça-lo-lo em busca de vingança. Confira o trailer (em inglês):

É de se elogiar a capacidade que o roteiro, escrito pela dupla de novatos Barnaby Boulton e James Cummings, tem de retratar o lado ruim das relações digitais, principalmente quando pautadas por "fake news". Reparem como antes mesmo da chegada de um clímax simplesmente aterrorizante no segundo ato, o diretor já parece antecipar o real poder de sua trama sem deixar de provocar uma reflexão audiência: o que acontece com Harri Bhavsar poderia acontecer com qualquer um (dada, obviamente, toda a suspensão de uma realidade muito particular da história) e isso, basicamente, eleva nossa ansiedade para o que vem pela frente. Se apropriando dessa angustia crescente, o filme vai apresentando camadas emocionais de seu protagonista ao mesmo tempo em que assistimos de camarote (leia-se pelos olhos dele) todo aquele circo que vai se construindo com o único e claro objetivo de "caça às bruxas" - algo, aliás, bem comum na internet.

Barantini sabe que essa situação especifica pode se transformar na pior experiência da vida de um jovem e ao alinhar o tema com uma gramática cinematográfica mais próxima do suspense do que do drama em si, vivenciamos em "O Acusado" exatamente aquilo que mais tememos. O tribunal virtual, que efetivamente analisa, julga e condena sem chance de um mero desconhecido se defender, é o mesmo que dá o direito para pessoas completamente sem noção resolver os problemas com as próprias mãos. Quando o fotógrafo Matthew Lewis (também de "O Chef") limita seus enquadramentos respeitando a geografia daquele cenário, seja com um jogo de luz e sombra ou com as trocas de perspectiva pelo movimento óptico do foco, temos a exata noção do que é estar preso onde, teoricamente, deveríamos estar seguros e como o ser humano poder sim ser doentio - e aqui cabem mais dois elogios: o filme é muito bem montado, com cortes precisos que ajudam a criar todo esse mood de tensão constante e o desenho de som, delicado, orgânico e muito pontual, coloca um elemento de realismo que é impressionante.

"O Acusado" mesmo curto, parece interminável - graças a capacidade de Barantini (e de seu time) em adequar o tempo de cada cena, da forma mais meticulosa possível, com a ação essencial que o talentoso Chaneil Kular precisa experienciar para mexer com nossas sensações - aliás, me lembrou muito o trabalho de Riz Ahmed em "The Night Of". Enfim, mesmo que tímido em sua campanha de marketing dentro da Netflix, esse é o tipo do filme que merece muita atenção pelo que assistimos na tela e pelo que deve ser discutido assim que os créditos sobem!

Um filme que vai te surpreender de verdade e que faz valer muito a pena o seu play!

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Noventa minutos de muita tensão e angústia, é isso que você vai encontrar no ótimo "O Acusado". Na linha tênue entre "Zona de Confronto" "O Homem nas Trevas" e "Bata Antes de Entrar", o novo filme do talentoso diretor inglês Philip Barantini (o mesmo do sucesso, "O Chef") surpreende tanto pela dinâmica claustrofóbica de sua narrativa quanto pela critica extremamente atual contra uma geração "rede social" que se coloca em uma posição de superioridade ao achar que sua opinião é de fato uma verdade universal sem pensar nas consequências que ela pode representar para o ser humano, ainda mais se esse se encaixar no estereótipo de quem sofre algum tipo de discriminação. Disseminar "incertezas" pode ser muito mais perigoso em tempos de "justiça digital".

Aqui acompanhamos a história de terror vivida por Harri Bhavsar (Chaneil Kular), um jovem paquistanês que precisa lidar com uma injustiça brutal: ele é apontado como o responsável por uma atentado a bomba no metrô de Londres, simplesmente por parecer com um possível suspeito - sim, eu disse "possível" suspeito. De uma hora para a outra o jovem passa a ser perseguido e ameaçado pela internet até que justiceiros começam a caça-lo-lo em busca de vingança. Confira o trailer (em inglês):

É de se elogiar a capacidade que o roteiro, escrito pela dupla de novatos Barnaby Boulton e James Cummings, tem de retratar o lado ruim das relações digitais, principalmente quando pautadas por "fake news". Reparem como antes mesmo da chegada de um clímax simplesmente aterrorizante no segundo ato, o diretor já parece antecipar o real poder de sua trama sem deixar de provocar uma reflexão audiência: o que acontece com Harri Bhavsar poderia acontecer com qualquer um (dada, obviamente, toda a suspensão de uma realidade muito particular da história) e isso, basicamente, eleva nossa ansiedade para o que vem pela frente. Se apropriando dessa angustia crescente, o filme vai apresentando camadas emocionais de seu protagonista ao mesmo tempo em que assistimos de camarote (leia-se pelos olhos dele) todo aquele circo que vai se construindo com o único e claro objetivo de "caça às bruxas" - algo, aliás, bem comum na internet.

Barantini sabe que essa situação especifica pode se transformar na pior experiência da vida de um jovem e ao alinhar o tema com uma gramática cinematográfica mais próxima do suspense do que do drama em si, vivenciamos em "O Acusado" exatamente aquilo que mais tememos. O tribunal virtual, que efetivamente analisa, julga e condena sem chance de um mero desconhecido se defender, é o mesmo que dá o direito para pessoas completamente sem noção resolver os problemas com as próprias mãos. Quando o fotógrafo Matthew Lewis (também de "O Chef") limita seus enquadramentos respeitando a geografia daquele cenário, seja com um jogo de luz e sombra ou com as trocas de perspectiva pelo movimento óptico do foco, temos a exata noção do que é estar preso onde, teoricamente, deveríamos estar seguros e como o ser humano poder sim ser doentio - e aqui cabem mais dois elogios: o filme é muito bem montado, com cortes precisos que ajudam a criar todo esse mood de tensão constante e o desenho de som, delicado, orgânico e muito pontual, coloca um elemento de realismo que é impressionante.

"O Acusado" mesmo curto, parece interminável - graças a capacidade de Barantini (e de seu time) em adequar o tempo de cada cena, da forma mais meticulosa possível, com a ação essencial que o talentoso Chaneil Kular precisa experienciar para mexer com nossas sensações - aliás, me lembrou muito o trabalho de Riz Ahmed em "The Night Of". Enfim, mesmo que tímido em sua campanha de marketing dentro da Netflix, esse é o tipo do filme que merece muita atenção pelo que assistimos na tela e pelo que deve ser discutido assim que os créditos sobem!

Um filme que vai te surpreender de verdade e que faz valer muito a pena o seu play!

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O Clube

"O Clube" mostra o lado mais escuro do ser humano, onde a hipocrisia está enraizada em camadas tão profundas que a "culpa" fica praticamente adormecida e os atos para mante-la assim se justificam por si só, mesmo que para isso seja necessário punir o outro! Esse premiado filme do chileno Pablo Larraín (de "Spencer") expõe o que há de mais sujo na igreja católica, com o cuidado de não ofender (ou julgar) a religião em si. Essa habilidade de Larraín de discutir um assunto tão sensível transforma uma narrativa extremamente autoral, e polêmica, em um filme profundo, reflexivo e muito provocador - que não vai agradar a todos, mas que é muito marcante para quem assiste.

Após um suicídio, o conselheiro espiritual para crises envolvendo a Igreja Católica, Padre García (Marcelo Alonso), é enviado para uma pequena cidade na costa do Chile onde quatro padres e uma freira, desonrados por "suspeita" de crimes que vão de abuso infantil ao roubo de bebês de mães não casadas, vivem isolados em busca de redenção. Com a chegada de Garcia, padre mais progressista e que deseja melhorar a imagem da igreja, aquela dinâmica do local já estabelecida simplesmente desaba, mostrando que cada um dos personagens possuem marcas muito mais profundas do que um retiro seria capaz de curar. Confira o trailer:

Extremamente alinhado com um visual maravilhoso, mérito do fotógrafo Sergio Armstrong (de "Neruda"), e uma direção cadenciada, mas extremamente competente de Larraín, o roteiro de "O Clube" é, sem dúvida, o ponto alto do filme. Em colaboração comGuilhermo Calderón e Daniel Villalobos, Larraín cria uma dinâmica narrativa extremamente concisa desde o primeiro plano, apresentando uma atmosfera de mistério que prende a atenção da audiência de uma forma avassaladora - e digo isso pois o assunto que guia a história é denso, mas ao mesmo tempo provocador já que o diretor prefere sugerir pelo diálogo todas as atrocidades ao invés impactar pela imagem, passando a responsabilidade dessa construção mental exclusivamente para nós. De fato o roteiro é econômico em cenas pesadas, mas riquíssimo nas descrições, criando assim um desconforto impressionante.

Se para alguns o tema vinculado a religião pode parecer pesado demais, para outros o subtexto discutido vai além - a noção de arrependimento e de redenção, fundamentais no catolicismo, ganha contornos tão problemáticos quanto reais quando o foco passa a ser personagens que escolheram esse caminho por "vocação". A forma como Larraín discute a "culpa", humaniza as fraquezas do ser humano dando a palavra para o outro lado da história antes mesmo que nosso julgamento possa ser finalizado. A maneira como a trama vai se encaixando, onde essas fraquezas vão sendo mostradas e as soluções vão sendo propostas, é de embrulhar o estômago e de perder a fé na humanidade.

Veja, através dos depoimentos dos quatros padres, da freira e da presença misteriosa do forasteiro Sandokan (Roberto Farías - em uma performance digna de muito prêmios), somos jogados sem o menor cuidado para alguns dos fatos mais obscuros da história da nossa sociedade como a própria relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet e as inúmeras acusações de pedofilia tão presentes, em tantos países, e que assombram a instituição desde o Vaticano.

Grande vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim em 2015, "O Clube" tem muito a dizer, a grande questão é se as pessoas que assistem essa obra-prima estarão dispostas a escutar.

Vale muito seu play!

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"O Clube" mostra o lado mais escuro do ser humano, onde a hipocrisia está enraizada em camadas tão profundas que a "culpa" fica praticamente adormecida e os atos para mante-la assim se justificam por si só, mesmo que para isso seja necessário punir o outro! Esse premiado filme do chileno Pablo Larraín (de "Spencer") expõe o que há de mais sujo na igreja católica, com o cuidado de não ofender (ou julgar) a religião em si. Essa habilidade de Larraín de discutir um assunto tão sensível transforma uma narrativa extremamente autoral, e polêmica, em um filme profundo, reflexivo e muito provocador - que não vai agradar a todos, mas que é muito marcante para quem assiste.

Após um suicídio, o conselheiro espiritual para crises envolvendo a Igreja Católica, Padre García (Marcelo Alonso), é enviado para uma pequena cidade na costa do Chile onde quatro padres e uma freira, desonrados por "suspeita" de crimes que vão de abuso infantil ao roubo de bebês de mães não casadas, vivem isolados em busca de redenção. Com a chegada de Garcia, padre mais progressista e que deseja melhorar a imagem da igreja, aquela dinâmica do local já estabelecida simplesmente desaba, mostrando que cada um dos personagens possuem marcas muito mais profundas do que um retiro seria capaz de curar. Confira o trailer:

Extremamente alinhado com um visual maravilhoso, mérito do fotógrafo Sergio Armstrong (de "Neruda"), e uma direção cadenciada, mas extremamente competente de Larraín, o roteiro de "O Clube" é, sem dúvida, o ponto alto do filme. Em colaboração comGuilhermo Calderón e Daniel Villalobos, Larraín cria uma dinâmica narrativa extremamente concisa desde o primeiro plano, apresentando uma atmosfera de mistério que prende a atenção da audiência de uma forma avassaladora - e digo isso pois o assunto que guia a história é denso, mas ao mesmo tempo provocador já que o diretor prefere sugerir pelo diálogo todas as atrocidades ao invés impactar pela imagem, passando a responsabilidade dessa construção mental exclusivamente para nós. De fato o roteiro é econômico em cenas pesadas, mas riquíssimo nas descrições, criando assim um desconforto impressionante.

Se para alguns o tema vinculado a religião pode parecer pesado demais, para outros o subtexto discutido vai além - a noção de arrependimento e de redenção, fundamentais no catolicismo, ganha contornos tão problemáticos quanto reais quando o foco passa a ser personagens que escolheram esse caminho por "vocação". A forma como Larraín discute a "culpa", humaniza as fraquezas do ser humano dando a palavra para o outro lado da história antes mesmo que nosso julgamento possa ser finalizado. A maneira como a trama vai se encaixando, onde essas fraquezas vão sendo mostradas e as soluções vão sendo propostas, é de embrulhar o estômago e de perder a fé na humanidade.

Veja, através dos depoimentos dos quatros padres, da freira e da presença misteriosa do forasteiro Sandokan (Roberto Farías - em uma performance digna de muito prêmios), somos jogados sem o menor cuidado para alguns dos fatos mais obscuros da história da nossa sociedade como a própria relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet e as inúmeras acusações de pedofilia tão presentes, em tantos países, e que assombram a instituição desde o Vaticano.

Grande vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim em 2015, "O Clube" tem muito a dizer, a grande questão é se as pessoas que assistem essa obra-prima estarão dispostas a escutar.

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O diabo de cada dia

"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.

Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:

Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!

Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.

Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.

Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!

"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!

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"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.

Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:

Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!

Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.

Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.

Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!

"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!

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O Farol

"O Farol" ("The Lighthouse", título original) do diretor de "A Bruxa", Robert Eggers, é uma experiência sensorial incrível, porém se apoia em um tipo de narrativa pouco convencional e isso, certamente, vai dividir opiniões - eu diria que é uma experiência bem parecida com a de assistir "Pi" do Darren Aronofsky.

Na história, dois marinheiros: um veterano, Thomas Wake (Willem Dafoe) e um novato, Ephraim Winslow (Robert Pattinson); são enviados para uma ilha, aparentemente, remota, para cuidar da manutenção de um farol. Ambos precisam dividir algumas tarefas e conviver como "colegas de quarto" até que novos marinheiros possam substituí-los. Claro, não demora muito para que a diferença de hierarquia imposta pelo veterano Wake passe a incomodar Winslow tornando esse isolamento, o tédio do dia a dia e a própria convivência entre os dois, insuportável. Confira o trailer:

Como o já mencionado "Pi", "O Farol" é quase um tratado da loucura, ao analisar o comportamento humano quando levado aos extremos - e aqui cabe um observação interessante: existe uma espécie de mitologia entre marinheiros, com lendas e superstições que praticamente moldam o caráter e o respeito dessa classe perante o mar e é justamente a partir desse conceito que os personagens direcionam suas ações durante todo o filme. O grande problema é que a linha tênue entre a realidade e a imaginação vai praticamente se desfazendo conforme os dias vão passando naquele ambiente tão particular e a constante tensão entre Wake e Winslow apenas acelera esse movimento, ou seja, a partir do segundo ato, o filme nos provoca a esperar sempre o pior, já que os limites aceitáveis de uma relação entre duas pessoas simplesmente desaparece! Não espere sustos, o horror não está naquilo que vemos e sim no que sentimos - lembrem-se disso!

O diretor e seu irmão Max Eggers escreveram um roteiro primoroso, que pode até causar um certo estranhamento inicial, já que os diálogos foram construídos em cima de um inglês mais antigo, com linguajar próprio de "velhos homens do mar"! Esse toque conceitual está completamente alinhado com a estética visual do filme: branco e preto, filmado em um aspecto 1.19:1 (mais fechado que os 4:3 das TVs antigas), em 35mm e com lentes da década de 1930. A própria captação do som foi feita em "mono" o que nos provoca uma certa sensação claustrofóbica, de abafado, potencializando a angústia dos personagens, sempre espremidos em ambientes escuros, sujos, mal cuidados. O desenho de som e a trilha sonora do Mark Korven misturam elementos metálicos e graves, ensurdecedores, que dialogam perfeitamente com um certo zumbido do mau tempo constante da ilha!

A direção de Robert Eggers é espetacular, como em seu filme anterior, ele cuida de cada detalhe para que nossa experiência seja inesquecível - e de fato ele alcança esse objetivo. Se possível, assista esse filme com o som bem alto e perceba como até o silêncio atua como catalizador de emoções - veja, para muitos, o filme vai parecer muito mais um delírio autoral do que uma narrativa minimamente compreensível! Acontece que essa escolha conceitual serve justamente para construir uma tensão permanente e quando o diretor de fotografia, Jarin Blaschk (única indicação ao Oscar 2020), enquadra os atores, o que encontramos é uma aula de atuação - tanto de Willem Dafoe, quanto de Robert Pattinson - ambos inacreditavelmente esquecidos pela Academia!

O filme tem um estranho tipo de humor, irônico e sombrio, além disso trabalha o simbolismo como poucos - a referência de Aronofsky acaba fazendo muito sentido por esse ponto de vista! Saiba que se trata de uma história repleta de mistérios, tensão e suspense, pontuadas com ritmo cirúrgico da trilha sonora e com uma conclusão sem nenhuma explicação, mas que chega a nos causar um certo alívio. Como na filmografia de Ari Aster de "Hereditário" e "Midsommar" ou da dupla Severin Fiala e Veronika Franz de "O Chalé" e "Boa Noite, Mamãe", assistir o trabalho de Robert Eggers não deve agradar a todos, mas para quem está disposto a embarcar no "pouco convencional", certamente, o entretenimento de qualidade está garantido!

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"O Farol" ("The Lighthouse", título original) do diretor de "A Bruxa", Robert Eggers, é uma experiência sensorial incrível, porém se apoia em um tipo de narrativa pouco convencional e isso, certamente, vai dividir opiniões - eu diria que é uma experiência bem parecida com a de assistir "Pi" do Darren Aronofsky.

Na história, dois marinheiros: um veterano, Thomas Wake (Willem Dafoe) e um novato, Ephraim Winslow (Robert Pattinson); são enviados para uma ilha, aparentemente, remota, para cuidar da manutenção de um farol. Ambos precisam dividir algumas tarefas e conviver como "colegas de quarto" até que novos marinheiros possam substituí-los. Claro, não demora muito para que a diferença de hierarquia imposta pelo veterano Wake passe a incomodar Winslow tornando esse isolamento, o tédio do dia a dia e a própria convivência entre os dois, insuportável. Confira o trailer:

Como o já mencionado "Pi", "O Farol" é quase um tratado da loucura, ao analisar o comportamento humano quando levado aos extremos - e aqui cabe um observação interessante: existe uma espécie de mitologia entre marinheiros, com lendas e superstições que praticamente moldam o caráter e o respeito dessa classe perante o mar e é justamente a partir desse conceito que os personagens direcionam suas ações durante todo o filme. O grande problema é que a linha tênue entre a realidade e a imaginação vai praticamente se desfazendo conforme os dias vão passando naquele ambiente tão particular e a constante tensão entre Wake e Winslow apenas acelera esse movimento, ou seja, a partir do segundo ato, o filme nos provoca a esperar sempre o pior, já que os limites aceitáveis de uma relação entre duas pessoas simplesmente desaparece! Não espere sustos, o horror não está naquilo que vemos e sim no que sentimos - lembrem-se disso!

O diretor e seu irmão Max Eggers escreveram um roteiro primoroso, que pode até causar um certo estranhamento inicial, já que os diálogos foram construídos em cima de um inglês mais antigo, com linguajar próprio de "velhos homens do mar"! Esse toque conceitual está completamente alinhado com a estética visual do filme: branco e preto, filmado em um aspecto 1.19:1 (mais fechado que os 4:3 das TVs antigas), em 35mm e com lentes da década de 1930. A própria captação do som foi feita em "mono" o que nos provoca uma certa sensação claustrofóbica, de abafado, potencializando a angústia dos personagens, sempre espremidos em ambientes escuros, sujos, mal cuidados. O desenho de som e a trilha sonora do Mark Korven misturam elementos metálicos e graves, ensurdecedores, que dialogam perfeitamente com um certo zumbido do mau tempo constante da ilha!

A direção de Robert Eggers é espetacular, como em seu filme anterior, ele cuida de cada detalhe para que nossa experiência seja inesquecível - e de fato ele alcança esse objetivo. Se possível, assista esse filme com o som bem alto e perceba como até o silêncio atua como catalizador de emoções - veja, para muitos, o filme vai parecer muito mais um delírio autoral do que uma narrativa minimamente compreensível! Acontece que essa escolha conceitual serve justamente para construir uma tensão permanente e quando o diretor de fotografia, Jarin Blaschk (única indicação ao Oscar 2020), enquadra os atores, o que encontramos é uma aula de atuação - tanto de Willem Dafoe, quanto de Robert Pattinson - ambos inacreditavelmente esquecidos pela Academia!

O filme tem um estranho tipo de humor, irônico e sombrio, além disso trabalha o simbolismo como poucos - a referência de Aronofsky acaba fazendo muito sentido por esse ponto de vista! Saiba que se trata de uma história repleta de mistérios, tensão e suspense, pontuadas com ritmo cirúrgico da trilha sonora e com uma conclusão sem nenhuma explicação, mas que chega a nos causar um certo alívio. Como na filmografia de Ari Aster de "Hereditário" e "Midsommar" ou da dupla Severin Fiala e Veronika Franz de "O Chalé" e "Boa Noite, Mamãe", assistir o trabalho de Robert Eggers não deve agradar a todos, mas para quem está disposto a embarcar no "pouco convencional", certamente, o entretenimento de qualidade está garantido!

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O Homem Duplicado

"Enemy" (título original) é simplesmente sensacional, mas já aviso: é uma loucura, daqueles de dar nó na cabeça ao melhor estilo Nolan - e por isso pode decepcionar quem busca algo mais, digamos, tradicional! 

O filme narra a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), professor universitário preso a uma monótona rotina diária, que descobre um sósia famoso enquanto assiste a um filme. Intrigado, ele passa a seguir este homem, transformando a vida de ambos em uma loucura. Baseado no livro "O Homem Duplicado" de José Saramago, o filme vai te provocar e fazer com que você busque muitas respostas fora do filme - sim, esse é daqueles que nos faz pensar, discutir, pesquisar por horas!

A força de "O Homem Duplicado" reside justamente em sua habilidade de criar uma atmosfera de tensão e paranoia, alimentada pela atuação magistral de Gyllenhaal. Sua interpretação de dois personagens aparentemente idênticos, mas com nuances distintas, é verdadeiramente impressionante e cativante. Villeneuve, conhecido por sua habilidade em construir tramas cheias de suspense, utiliza cenários sombrios e uma trilha sonora inquietante para mergulhar a audiência na mente perturbada de Adam.

O roteiro de Javier Gullón (de "Invasor") é de uma complexidade e profundidade absurdos. Ao explorar temas como identidade, alienação e desejo, o filme desafia as nossas expectativas a cada nova descoberta e nos convida à reflexão sobre a natureza da realidade e da individualidade sem pedir permissão. A escolha de Villeneuve em manter o mistério e a ambiguidade ao longo da narrativa eleva o filme a um nível absurdo de excelência artística, deixando espaço para interpretações diversas e debates profundos após os créditos.

Além da performance estelar de Gyllenhaal, o elenco de apoio também merece destaque, com atuações sólidas de Mélanie Laurent, Sarah Gadon e Isabella Rossellini. Cada personagem adiciona uma camada adicional à complexidade da trama, contribuindo para a riqueza emocional e intelectual do filme. Dito isso, recomendar "O Homem Duplicado" acaba se tornando fácil, já que é considerada por muitos uma obra-prima do cinema moderno, que combina uma narrativa envolvente, performances excepcionais e uma profundidade temática incomparável. 

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"Enemy" (título original) é simplesmente sensacional, mas já aviso: é uma loucura, daqueles de dar nó na cabeça ao melhor estilo Nolan - e por isso pode decepcionar quem busca algo mais, digamos, tradicional! 

O filme narra a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), professor universitário preso a uma monótona rotina diária, que descobre um sósia famoso enquanto assiste a um filme. Intrigado, ele passa a seguir este homem, transformando a vida de ambos em uma loucura. Baseado no livro "O Homem Duplicado" de José Saramago, o filme vai te provocar e fazer com que você busque muitas respostas fora do filme - sim, esse é daqueles que nos faz pensar, discutir, pesquisar por horas!

A força de "O Homem Duplicado" reside justamente em sua habilidade de criar uma atmosfera de tensão e paranoia, alimentada pela atuação magistral de Gyllenhaal. Sua interpretação de dois personagens aparentemente idênticos, mas com nuances distintas, é verdadeiramente impressionante e cativante. Villeneuve, conhecido por sua habilidade em construir tramas cheias de suspense, utiliza cenários sombrios e uma trilha sonora inquietante para mergulhar a audiência na mente perturbada de Adam.

O roteiro de Javier Gullón (de "Invasor") é de uma complexidade e profundidade absurdos. Ao explorar temas como identidade, alienação e desejo, o filme desafia as nossas expectativas a cada nova descoberta e nos convida à reflexão sobre a natureza da realidade e da individualidade sem pedir permissão. A escolha de Villeneuve em manter o mistério e a ambiguidade ao longo da narrativa eleva o filme a um nível absurdo de excelência artística, deixando espaço para interpretações diversas e debates profundos após os créditos.

Além da performance estelar de Gyllenhaal, o elenco de apoio também merece destaque, com atuações sólidas de Mélanie Laurent, Sarah Gadon e Isabella Rossellini. Cada personagem adiciona uma camada adicional à complexidade da trama, contribuindo para a riqueza emocional e intelectual do filme. Dito isso, recomendar "O Homem Duplicado" acaba se tornando fácil, já que é considerada por muitos uma obra-prima do cinema moderno, que combina uma narrativa envolvente, performances excepcionais e uma profundidade temática incomparável. 

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O Homem nas Trevas

Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!

A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:

O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.

Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.

Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.

Vale muito o seu play!

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Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!

A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:

O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.

Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.

Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.

Vale muito o seu play!

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O Homem nas Trevas 2

O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.

Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:

Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!

Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!

Vale seu play. O entretenimento está garantido!

Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar

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O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.

Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:

Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!

Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!

Vale seu play. O entretenimento está garantido!

Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar

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O Inocente

"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!

Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:

Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.

Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.

É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.

Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!

Assista Agora

"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!

Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:

Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.

Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.

É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.

Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!

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O Irlandês

"O Irlandês" chegou recentemente na Netflix com status de produção do ano e não era para menos, afinal não é tão simples reunir em um mesmo filme Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci sob a direção de Martin Scorsese - só por esse primeiro parágrafo eu já poderia colocar o botão "assista agora" e descansar tranquilamente, mas não vou fazer isso, pois uma obra como essa vai muito além de um elenco sensacional e de um diretor premiadíssimo. "O Irlandês" é um filme de máfia, mas com um conceito narrativo muito inteligente e que aprofunda a discussão moral dos personagens sem parecer romântico - "O Poderoso Chefão" fez muito isso! O filme mostra a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), não por acaso o irlandês do título, que se tornou uma espécie de liderança sindical enquanto, paralelamente, era considerado o assassino predileto de um dos mais respeitados chefões da Máfia. Sheeran é o narrador do filme, ele nos conta sua história em retrospectiva: do início da sua relação Russell Bufalino até o momento em que percebe estar sozinho na vida!  É impressionante como a narrativa é fluída e como somos convidados a julgar Sheeran por suas escolhas e nos penalizar por seus arrependimentos e culpas. Olha, certamente o filme estará em algumas categorias do próximo Oscar (2020), então não perca tempo: se você é um amante de "Os bons companheiros", "Era uma vez na América" e, claro, "O Poderoso Chefão", dê o play sem medo porque serão três horas e meia de muito prazer e entretenimento!

Antes de mais nada é preciso dizer que "O Irlandês" não é um filme violento na sua forma - talvez na sua essência, mas não na sua forma! Martin Scorsese é cirúrgico ao escolher os enquadramentos e movimentos de câmera que vão contar as histórias de assassinatos do filme. Em outros tempos tudo seria mostrado, hoje é apenas sugerido - um exemplo é o belo movimento de câmera do massacre na barbearia: existe uma certa poesia, muito bem ensaiada até o enquadramento final na floricultura. É como o signo que encontramos no cemitério desse o ponto final ao movimento e o resultado disso só nas manchetes do dia seguinte! É lindo! Claro que o assassinato à sangue frio não é deixado de lado, até porque o profissional que Frank Sheeran se tornou era conhecido como pintor: uma alegoria pela quantidade de sangue que espirra na parede após um tiro na cabeça à queima roupa! 

São muitos personagens, muitos nomes, apelidos e núcleos, mas o roteiro é muito inteligente em guiar nossa atenção apenas para o que realmente importa e quando um personagem tem uma certa relevância histórica, mas por não fazer parte daquela linha narrativa é apenas uma citação, surge um lettering nos apresentando ele e nos contando qual final levou! O roteiro, aliás, é muito bom e amarra muito bem todas as situações do passado e do presente de uma forma muito orgânica e sem a necessidade de interferências conceituais nas imagens - tudo é clean e com o desenho de produção se encarregando do desafio. A tecnologia que permitiu o rejuvenescimento dos atores é tão imperceptível perante a força da história que nem nos apegamos a ela, embora os movimentos do De Niro, por exemplo, muitas vezes entrega uma certa incompatibilidade entre idade e postura corporal (e até no timbre da voz). O filme é uma adaptação da obra de mesmo nome de Charles Brandt, um ex-investigador que liga (ou sugere uma ligação de) vários fatos da história americana com a Máfia. Steven Zaillan, de "A Lista de Schindler", assina o roteiro.

Embora o filme seja realmente longo, Scorsese não economiza em planos mais coreografados - como o próprio Alfonso Cuarón fez em Roma com seus traveliings interminavelmente bem executados. Só que aqui o equipamento é o Steadicam (aquela geringonça que vai presa no corpo do câmera-man e permite que ele ande com a câmera sem balançar muito) e o resultado é igualmente competente. A fotografia do mexicano Rodrigo Pietro, de "Silêncio", é espetacular - e, para mim, um forte concorrente ao Oscar - repare como ele posiciona a câmera nas passagens onde existem uma narração ou uma sequência de fatos, nos colocando como espectador ou melhor, como observador, permitindo que a história continue sendo contada sem a necessidade de participarmos dela ativamente. É uma percepção delicada, mas típico de cineastas acima da média que pensam cada plano, cada conceito, cada detalhe para termos a melhor experiência possível ao assistir o filme - por isso que Scorsese pediu para que o filme não fosse assistido na tela do celular!

Para finalizar alguns rápidos comentários sobre os atores: Al Pacino como Jimmy Hoffa é inferior ao trabalho que o Jack Nicholson fez com o mesmo personagem em 1992. De Niro está bem, faz um trabalho de introspecção e explora o silêncio e o olhar de uma forma magnífica (principalmente quando se refere a sua filha Peggy ou quando se sente incomodado com algum pedido de Ruffo).  Agora Joe Pesci está sensacional e sou capaz de apostar que será indicado ao Oscar de ator coadjuvante e tem grande chance de levar o prêmio pela segunda vez (a primeira foi com "Os bons companheiros", também do Scorsese).

"O Irlandês" é uma grande (literalmente) homenagem aos filmes de gângsters. Tem todos os elementos que nos fazem amar o gênero e a mesma mestria no comando que trouxe Martin Scorsese para o primeiro time de diretores de Hollywood. De fato não é sua melhor direção, existem erros de continuidade que nem montagem não foi capaz de esconder, mas é impossível não se envolver com a forma como ele conta a história e como aqueles personagens foram nos cativando, mesmo na sombra da marginalidade. "O Irlandês" é sim um dos melhores filmes do ano e deve fazer barulho por um bom tempo! Tiro certo da Netflix nesse momento conturbado do mercado! Vale o play!

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"O Irlandês" chegou recentemente na Netflix com status de produção do ano e não era para menos, afinal não é tão simples reunir em um mesmo filme Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci sob a direção de Martin Scorsese - só por esse primeiro parágrafo eu já poderia colocar o botão "assista agora" e descansar tranquilamente, mas não vou fazer isso, pois uma obra como essa vai muito além de um elenco sensacional e de um diretor premiadíssimo. "O Irlandês" é um filme de máfia, mas com um conceito narrativo muito inteligente e que aprofunda a discussão moral dos personagens sem parecer romântico - "O Poderoso Chefão" fez muito isso! O filme mostra a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), não por acaso o irlandês do título, que se tornou uma espécie de liderança sindical enquanto, paralelamente, era considerado o assassino predileto de um dos mais respeitados chefões da Máfia. Sheeran é o narrador do filme, ele nos conta sua história em retrospectiva: do início da sua relação Russell Bufalino até o momento em que percebe estar sozinho na vida!  É impressionante como a narrativa é fluída e como somos convidados a julgar Sheeran por suas escolhas e nos penalizar por seus arrependimentos e culpas. Olha, certamente o filme estará em algumas categorias do próximo Oscar (2020), então não perca tempo: se você é um amante de "Os bons companheiros", "Era uma vez na América" e, claro, "O Poderoso Chefão", dê o play sem medo porque serão três horas e meia de muito prazer e entretenimento!

Antes de mais nada é preciso dizer que "O Irlandês" não é um filme violento na sua forma - talvez na sua essência, mas não na sua forma! Martin Scorsese é cirúrgico ao escolher os enquadramentos e movimentos de câmera que vão contar as histórias de assassinatos do filme. Em outros tempos tudo seria mostrado, hoje é apenas sugerido - um exemplo é o belo movimento de câmera do massacre na barbearia: existe uma certa poesia, muito bem ensaiada até o enquadramento final na floricultura. É como o signo que encontramos no cemitério desse o ponto final ao movimento e o resultado disso só nas manchetes do dia seguinte! É lindo! Claro que o assassinato à sangue frio não é deixado de lado, até porque o profissional que Frank Sheeran se tornou era conhecido como pintor: uma alegoria pela quantidade de sangue que espirra na parede após um tiro na cabeça à queima roupa! 

São muitos personagens, muitos nomes, apelidos e núcleos, mas o roteiro é muito inteligente em guiar nossa atenção apenas para o que realmente importa e quando um personagem tem uma certa relevância histórica, mas por não fazer parte daquela linha narrativa é apenas uma citação, surge um lettering nos apresentando ele e nos contando qual final levou! O roteiro, aliás, é muito bom e amarra muito bem todas as situações do passado e do presente de uma forma muito orgânica e sem a necessidade de interferências conceituais nas imagens - tudo é clean e com o desenho de produção se encarregando do desafio. A tecnologia que permitiu o rejuvenescimento dos atores é tão imperceptível perante a força da história que nem nos apegamos a ela, embora os movimentos do De Niro, por exemplo, muitas vezes entrega uma certa incompatibilidade entre idade e postura corporal (e até no timbre da voz). O filme é uma adaptação da obra de mesmo nome de Charles Brandt, um ex-investigador que liga (ou sugere uma ligação de) vários fatos da história americana com a Máfia. Steven Zaillan, de "A Lista de Schindler", assina o roteiro.

Embora o filme seja realmente longo, Scorsese não economiza em planos mais coreografados - como o próprio Alfonso Cuarón fez em Roma com seus traveliings interminavelmente bem executados. Só que aqui o equipamento é o Steadicam (aquela geringonça que vai presa no corpo do câmera-man e permite que ele ande com a câmera sem balançar muito) e o resultado é igualmente competente. A fotografia do mexicano Rodrigo Pietro, de "Silêncio", é espetacular - e, para mim, um forte concorrente ao Oscar - repare como ele posiciona a câmera nas passagens onde existem uma narração ou uma sequência de fatos, nos colocando como espectador ou melhor, como observador, permitindo que a história continue sendo contada sem a necessidade de participarmos dela ativamente. É uma percepção delicada, mas típico de cineastas acima da média que pensam cada plano, cada conceito, cada detalhe para termos a melhor experiência possível ao assistir o filme - por isso que Scorsese pediu para que o filme não fosse assistido na tela do celular!

Para finalizar alguns rápidos comentários sobre os atores: Al Pacino como Jimmy Hoffa é inferior ao trabalho que o Jack Nicholson fez com o mesmo personagem em 1992. De Niro está bem, faz um trabalho de introspecção e explora o silêncio e o olhar de uma forma magnífica (principalmente quando se refere a sua filha Peggy ou quando se sente incomodado com algum pedido de Ruffo).  Agora Joe Pesci está sensacional e sou capaz de apostar que será indicado ao Oscar de ator coadjuvante e tem grande chance de levar o prêmio pela segunda vez (a primeira foi com "Os bons companheiros", também do Scorsese).

"O Irlandês" é uma grande (literalmente) homenagem aos filmes de gângsters. Tem todos os elementos que nos fazem amar o gênero e a mesma mestria no comando que trouxe Martin Scorsese para o primeiro time de diretores de Hollywood. De fato não é sua melhor direção, existem erros de continuidade que nem montagem não foi capaz de esconder, mas é impossível não se envolver com a forma como ele conta a história e como aqueles personagens foram nos cativando, mesmo na sombra da marginalidade. "O Irlandês" é sim um dos melhores filmes do ano e deve fazer barulho por um bom tempo! Tiro certo da Netflix nesse momento conturbado do mercado! Vale o play!

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O Lagosta

Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.

A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):

Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.  

O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.

O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!

Vale seu play!

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Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.

A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):

Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.  

O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.

O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!

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O Menu

Se John Doe (de "Se7en - os sete pecados capitais") fosse um renomado chef de cozinha, certamente ele seria bem parecido com o chef Slowik (Ralph Fiennes) de "O Menu" - mas calma, as comparações devem parar por aí já que o filme de Mark Mylod (reconhecido diretor de séries como "Game of Thrones" e "Succession") está longe de ser uma unanimidade como o thriller policial de David Fincher, porém é de se elogiar a criatividade, originalidade e dinâmica narrativa que ele foi capaz de imprimir para entregar um suspense psicológico com certo toque de sadismo capaz de nos entreter do início ao fim da jornada!

A jovem Margot (Anya Taylor-Joy) é convidada por Tyler (Nicholas Hoult) para viver uma experiência inesquecível em um dos restaurantes mais conhecidos e exclusivos do mundo. Localizado em uma ilha, a cozinha do Hawthorne é liderada pelo famoso chef Slowik (Ralph Fiennes) que além de seus ingredientes frescos e exóticos pretende oferecer uma noite única para um pequeno grupo de clientes que vai de um decadente astro de cinema à uma ressentida crítica gastronômica. O que deveria ser apenas a degustação de uma comida para lá de especial, se torna um verdadeiro pesadelo para os convidados, com um cardápio farto, porém cheio de surpresas desagradáveis. Confira o trailer:

Embora a atmosfera de "O Menu" crie uma deliciosa (sem trocadilhos) conexão com a audiência logo de cara, é inegável que o tom crítico que preenche os diálogos mais afiados vai muito além do desenvolvimento de alguns dos doze personagens que na minha opinião tinham muito mais a dizer - fosse uma série contada em flashbacks, teríamos um profundo e divertido estudo de personas que naturalmente subverteriam a sátira do filme em algo muito mais profundo. Que fique claro que isso não é um problema, apenas um olhar diferente da decisão narrativa que se limitar a alfinetar o "universo gastronômico popstar" enquanto nos envolve em um inteligente clima de mistério.

Conceitualmente, Mark Mylo mistura a arte quase poética de "Chef's Table" com uma dinâmica empolgante de necessária suspensão da realidade, como vimos em "Fresh", porém trabalhando uma certa ambiguidade com muito mais sutileza e talvez por isso menos visceral que no filme de Mimi Cave. Veja, o roteiro do Seth Reiss (acostumado em escrever para os "Late Nights" americanos) e do Will Tracy (de "Succession") se apoia nas falhas de caráter dos personagens (algo como vimos em "Lost"), mas não nos deixa odiá-los, muito pelo contrário, ao mesmo tempo que torcemos pelo infortúnio dos convidados, nos empatizamos com eles ao ponto de sentir certo amargor pelo destino de cada um - algumas cenas são impactantes também, mas a força da história está na angústia do que pode vir pela frente e isso, dependendo da expectativa criada, pode decepcionar alguns.

Seja um artista que acelera seu processo criativo pensando em conquistar o mundo ou alguns críticos gastronômicos que inventam significados completamente aleatórios para definir o que consomem com o intuito de soar mais inteligentes e até aquele fã de um renomado chef que não entende exatamente a experiência do que lhe é oferecido, mas faz questão de se gabar por poder pagar por ela, "O Menu" é um prato cheio de simbolismos, metáforas e semiótica, além de um ótimo suspense psicológico com leves toques de humor ácido que vai agradar o "paladar" (trocadilho liberado) de muitas pessoas e envergonhar tantas outras (se a carapuça servir)!

Vale muito o seu play!

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Se John Doe (de "Se7en - os sete pecados capitais") fosse um renomado chef de cozinha, certamente ele seria bem parecido com o chef Slowik (Ralph Fiennes) de "O Menu" - mas calma, as comparações devem parar por aí já que o filme de Mark Mylod (reconhecido diretor de séries como "Game of Thrones" e "Succession") está longe de ser uma unanimidade como o thriller policial de David Fincher, porém é de se elogiar a criatividade, originalidade e dinâmica narrativa que ele foi capaz de imprimir para entregar um suspense psicológico com certo toque de sadismo capaz de nos entreter do início ao fim da jornada!

A jovem Margot (Anya Taylor-Joy) é convidada por Tyler (Nicholas Hoult) para viver uma experiência inesquecível em um dos restaurantes mais conhecidos e exclusivos do mundo. Localizado em uma ilha, a cozinha do Hawthorne é liderada pelo famoso chef Slowik (Ralph Fiennes) que além de seus ingredientes frescos e exóticos pretende oferecer uma noite única para um pequeno grupo de clientes que vai de um decadente astro de cinema à uma ressentida crítica gastronômica. O que deveria ser apenas a degustação de uma comida para lá de especial, se torna um verdadeiro pesadelo para os convidados, com um cardápio farto, porém cheio de surpresas desagradáveis. Confira o trailer:

Embora a atmosfera de "O Menu" crie uma deliciosa (sem trocadilhos) conexão com a audiência logo de cara, é inegável que o tom crítico que preenche os diálogos mais afiados vai muito além do desenvolvimento de alguns dos doze personagens que na minha opinião tinham muito mais a dizer - fosse uma série contada em flashbacks, teríamos um profundo e divertido estudo de personas que naturalmente subverteriam a sátira do filme em algo muito mais profundo. Que fique claro que isso não é um problema, apenas um olhar diferente da decisão narrativa que se limitar a alfinetar o "universo gastronômico popstar" enquanto nos envolve em um inteligente clima de mistério.

Conceitualmente, Mark Mylo mistura a arte quase poética de "Chef's Table" com uma dinâmica empolgante de necessária suspensão da realidade, como vimos em "Fresh", porém trabalhando uma certa ambiguidade com muito mais sutileza e talvez por isso menos visceral que no filme de Mimi Cave. Veja, o roteiro do Seth Reiss (acostumado em escrever para os "Late Nights" americanos) e do Will Tracy (de "Succession") se apoia nas falhas de caráter dos personagens (algo como vimos em "Lost"), mas não nos deixa odiá-los, muito pelo contrário, ao mesmo tempo que torcemos pelo infortúnio dos convidados, nos empatizamos com eles ao ponto de sentir certo amargor pelo destino de cada um - algumas cenas são impactantes também, mas a força da história está na angústia do que pode vir pela frente e isso, dependendo da expectativa criada, pode decepcionar alguns.

Seja um artista que acelera seu processo criativo pensando em conquistar o mundo ou alguns críticos gastronômicos que inventam significados completamente aleatórios para definir o que consomem com o intuito de soar mais inteligentes e até aquele fã de um renomado chef que não entende exatamente a experiência do que lhe é oferecido, mas faz questão de se gabar por poder pagar por ela, "O Menu" é um prato cheio de simbolismos, metáforas e semiótica, além de um ótimo suspense psicológico com leves toques de humor ácido que vai agradar o "paladar" (trocadilho liberado) de muitas pessoas e envergonhar tantas outras (se a carapuça servir)!

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O Poço

"O Poço" é o tipo de filme que trabalha muito bem as alegorias sem perder a força de uma narrativa mais linear que alimenta o gênero que faz parte: no caso o suspense! O que eu quero dizer com isso? Que o filme vai muito além do que vemos na tela, mas nem por isso deixa de ter uma história intrigante - embora o final só vá funcionar para quem realmente se aprofunda nas entrelinhas do roteiro!

Situado dentro de uma espécie de prisão vertical conhecida como "El Hoyo" (que inclusive é o título original do filme), acompanhamos a jornada de Goreng (Ivan Massagué), um homem que aparentemente não cometeu crime algum, mas que por escolha própria resolve ir para a prisão com o objetivo de parar de fumar. É lá que ele conhece Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor que já está há "muitos meses preso", como ele mesmo define. É Trimagasi que explica como funciona a única dinâmica do local: esperar por uma plataforma de comida que se move para baixo, andar por andar, com um banquete. Como Goreng e Trimagasi estão no nível 48, eles precisam aguardar para ver o que sobra depois dos 47 níveis acima se alimentarem, porém de tempos em tempos eles são transferidos para outros níveis e é aí que a coisa começa a pegar, afinal quanto mais baixo, menos comida sobra e a luta pela sobrevivência começa ser a única alternativa! Confira o trailer:

Se "Parasita" extrapolou esse tipo de discussão com maestria, "O Poço" segue a mesma receita, talvez sem o mesmo brilhantismo, mas com uma entrega muito competente. As alegorias vão permitir inúmeras interpretações, algo na linha de "Mother!". Então se você gostou dessas duas referências é bem provável que esse premiado filme espanhol te conquiste, mas se você está atrás de um bom suspense psicológico, com um pezinho no terror, sua escolha também não poderia ser melhor. Vale o play!

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"O Poço" é o tipo de filme que trabalha muito bem as alegorias sem perder a força de uma narrativa mais linear que alimenta o gênero que faz parte: no caso o suspense! O que eu quero dizer com isso? Que o filme vai muito além do que vemos na tela, mas nem por isso deixa de ter uma história intrigante - embora o final só vá funcionar para quem realmente se aprofunda nas entrelinhas do roteiro!

Situado dentro de uma espécie de prisão vertical conhecida como "El Hoyo" (que inclusive é o título original do filme), acompanhamos a jornada de Goreng (Ivan Massagué), um homem que aparentemente não cometeu crime algum, mas que por escolha própria resolve ir para a prisão com o objetivo de parar de fumar. É lá que ele conhece Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor que já está há "muitos meses preso", como ele mesmo define. É Trimagasi que explica como funciona a única dinâmica do local: esperar por uma plataforma de comida que se move para baixo, andar por andar, com um banquete. Como Goreng e Trimagasi estão no nível 48, eles precisam aguardar para ver o que sobra depois dos 47 níveis acima se alimentarem, porém de tempos em tempos eles são transferidos para outros níveis e é aí que a coisa começa a pegar, afinal quanto mais baixo, menos comida sobra e a luta pela sobrevivência começa ser a única alternativa! Confira o trailer:

Se "Parasita" extrapolou esse tipo de discussão com maestria, "O Poço" segue a mesma receita, talvez sem o mesmo brilhantismo, mas com uma entrega muito competente. As alegorias vão permitir inúmeras interpretações, algo na linha de "Mother!". Então se você gostou dessas duas referências é bem provável que esse premiado filme espanhol te conquiste, mas se você está atrás de um bom suspense psicológico, com um pezinho no terror, sua escolha também não poderia ser melhor. Vale o play!

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O Tigre Branco

"O Tigre Branco" é uma espécie de "Cidade de Deus" da Índia. Ok, talvez sem a mesma genialidade da direção do Fernando Meirelles ou até do roteiro do Bráulio Mantovani, mas é um fato que a produção da Netflix entrega uma jornada tão dinâmica e surpreendente quanto. Muito bem produzida e com um protagonista que dá uma aula de interpretação, Adarsh Gourav, o filme á uma agradável surpresa e merece muito nossa atenção!

O filme é uma adaptação de um livro de muito sucesso escrito por Aravind Adiga, e narra a trajetória de Balram (Adarsh Gourav), um jovem indiano que nasceu no meio da miséria em um vilarejo distante da capital e que foi ensinado desde pequeno que seu destino era escolher um grande marajá para servir até o fim da sua vida com muita lealdade. Trabalhando como motorista para o filho de um magnata da região, Balram começa, aos poucos, sentir na pele a desigualdade entre a sua casta e a dos afortunados, e com isso entende o ritmo que dita os rumos do capitalismo em seu país. Quando se dá conta de que é só mais uma galinha dentro de um enorme galinheiro que sabe que será abatida e nem por isso tenta fugir (uma metáfora cruel que o acompanha durante sua saga), o jovem muda seus conceitos e atitudes para buscar o topo que lhe foi sempre renegado e assim se tornar um grande empresário do país. Confira o trailer:

Como em "Cidade de Deus", a história não respeita a linha temporal convencional e é narrada por Balram a partir do seu ponto de vista, enquanto escreve um email para o primeiro-ministro chinês que estará de passagem pela Índia para reuniões com empresários locais. Além de um texto crítico, mas muito bem equilibrado com um humor ácido e inteligente, o premiado diretor americano Ramin Bahrani (de Fahrenheit 451) entrega com a mesma competência a construção de um conto de fadas moderno bem leve na primeira metade com a desconstrução de um mito carregado de drama e angústia na segunda. A fotografia de Paolo Carnera (de Suburra), além de posicionar a narrativa na linha do tempo, com as cenas no presente em cores mais frias e no passado com cores mais quentes, ele também capta maravilhosamente bem os contrastes sociais da Índia e como os personagens se relacionam de formas completamente diferentes com esse abismo - lembrou muito o trabalho do Kyung-pyo Hong em "Parasita", se não na simbologia, pelo menos na intenção!

"O Tigre Branco" tenta nos mostrar que os fins justificam os meios, desde que feito com o coração e sirva de transformação para quem será capaz de olhar para o outro com mais humanidade. Mesmo apoiado na figura do anti-herói, é fácil compreender suas motivações e entender que tudo não passa de uma reação perante um mundo cruel e inegavelmente real! Como em "Cidade Deus", o certo é relativo, mas o errado é uma certeza tão sistemática que uma história que tinha tudo para ser uma jornada de superação e resiliência se torna uma desconfortável, e nada sutil, versão da realidade! Vale muito a pena!

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"O Tigre Branco" é uma espécie de "Cidade de Deus" da Índia. Ok, talvez sem a mesma genialidade da direção do Fernando Meirelles ou até do roteiro do Bráulio Mantovani, mas é um fato que a produção da Netflix entrega uma jornada tão dinâmica e surpreendente quanto. Muito bem produzida e com um protagonista que dá uma aula de interpretação, Adarsh Gourav, o filme á uma agradável surpresa e merece muito nossa atenção!

O filme é uma adaptação de um livro de muito sucesso escrito por Aravind Adiga, e narra a trajetória de Balram (Adarsh Gourav), um jovem indiano que nasceu no meio da miséria em um vilarejo distante da capital e que foi ensinado desde pequeno que seu destino era escolher um grande marajá para servir até o fim da sua vida com muita lealdade. Trabalhando como motorista para o filho de um magnata da região, Balram começa, aos poucos, sentir na pele a desigualdade entre a sua casta e a dos afortunados, e com isso entende o ritmo que dita os rumos do capitalismo em seu país. Quando se dá conta de que é só mais uma galinha dentro de um enorme galinheiro que sabe que será abatida e nem por isso tenta fugir (uma metáfora cruel que o acompanha durante sua saga), o jovem muda seus conceitos e atitudes para buscar o topo que lhe foi sempre renegado e assim se tornar um grande empresário do país. Confira o trailer:

Como em "Cidade de Deus", a história não respeita a linha temporal convencional e é narrada por Balram a partir do seu ponto de vista, enquanto escreve um email para o primeiro-ministro chinês que estará de passagem pela Índia para reuniões com empresários locais. Além de um texto crítico, mas muito bem equilibrado com um humor ácido e inteligente, o premiado diretor americano Ramin Bahrani (de Fahrenheit 451) entrega com a mesma competência a construção de um conto de fadas moderno bem leve na primeira metade com a desconstrução de um mito carregado de drama e angústia na segunda. A fotografia de Paolo Carnera (de Suburra), além de posicionar a narrativa na linha do tempo, com as cenas no presente em cores mais frias e no passado com cores mais quentes, ele também capta maravilhosamente bem os contrastes sociais da Índia e como os personagens se relacionam de formas completamente diferentes com esse abismo - lembrou muito o trabalho do Kyung-pyo Hong em "Parasita", se não na simbologia, pelo menos na intenção!

"O Tigre Branco" tenta nos mostrar que os fins justificam os meios, desde que feito com o coração e sirva de transformação para quem será capaz de olhar para o outro com mais humanidade. Mesmo apoiado na figura do anti-herói, é fácil compreender suas motivações e entender que tudo não passa de uma reação perante um mundo cruel e inegavelmente real! Como em "Cidade Deus", o certo é relativo, mas o errado é uma certeza tão sistemática que uma história que tinha tudo para ser uma jornada de superação e resiliência se torna uma desconfortável, e nada sutil, versão da realidade! Vale muito a pena!

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