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Cassandro

"Cassandro" é sensível em sua temática, mas muito potente em sua mensagem! Dirigido pelo documentarista Roger Ross Williams, vencedor do Oscar pelo curta-metragem "Music by Prudence" e depois indicado pelo longa "Life, Animated", essa ficção é muito feliz ao fazer um recorte certeiro da vida de Saúl Armendáriz, oferecendo uma visão única e emocionante de um lutador gay de luta-livre que precisou vencer o preconceito para se estabelecer como uma verdadeira estrela do entretenimento mexicano nos anos 80 e 90. Saiba que o filme não será uma unanimidade, pela sua forma, com uma pegada mais independente de cinema, como pelo seu conteúdo, muitas vezes provocativo ao extremo - porém é preciso destacar sua abordagem bastante corajosa e autêntica, não apenas explorando a intensidade dos bastidores do mundo da luta livre, como também os desafios da homossexualidade perante as normas sociais da época. Com uma narrativa cativante e uma impecável direção, Williams nos entrega um retrato multifacetado de Cassandro que certamente vai tocar seu coração.

Saúl Armendáriz (Gael García Bernal), um lutador gay de lucha libre de El Paso, alcança a fama internacional depois de criar o personagem "exótico" Cassandro, conhecido como o "Liberace da Lucha Libre". Durante esse processo, no entanto, ele subverte não apenas o mundo machista do entretenimento, como também precisa se assumir perante a própria vida com a ajuda de sua mãe Yocasta (Perla De La Rosa), até que o relacionamento com um homem casado e alguns fantasmas do passado colocam tudo isso a perder. Confira o trailer:

Parta do princípio que "Cassandro" é um olhar profundo sobre a família - de uma relação protetora quase patológica entre mãe e filho até o conflito doloroso com o pai Eduardo (Robert Salas), figura que lhe fez amar o esporte que viraria sua profissão, mas que também deixou a marca da destruição familiar ao abandonar Yocasta quando Saúl ainda era uma criança. Por outro lado existe o simbolismo da luta-livre, que encena a brutalidade e expõe o preconceito dentro e fora do ringue - e é aqui que nasce uma forte amizade com Sabrina (Roberta Colindrez), um encontro proporcionado pela admiração profissional e pelo amor ao esporte, mas que acaba construindo uma nova maneira dele enxergar o mundo que vive. 

Na realidade, a força do filme não está apenas na história cativante de um personagem realmente interessante, complexo e real, mas também na maestria técnica e artística com que Williams conduz sua narrativa. Ao lado do fotógrafo argentino Matias Penachino (de "Tiempo Compartido"), o diretor entrega um conceito visual muito impactante e extremamente imersivo, mesmo com um aspecto 4:3 (aquele das TVs de antigamente, capturando a intensidade das lutas ao mesmo tempo que mergulha na vulnerabilidade do protagonista fora do ringue. A trilha sonora, aliás, aprimora essa atmosfera, nos conectando emocionalmente e proporcionando para Gael García Bernal todas as ferramentas para que ele possa brilhar de verdade - e como ele brilha! Performance digna de indicação ao Oscar, eu arriscaria.

Existe uma pesquisa meticulosa, facilmente percebida na relação: direção de arte / roteiro / direção - são tantos detalhes que em muitos momentos acreditamos que estamos assistindo um documentário e não uma ficção. A cena da entrevista entre "El Hijo del Santo" (o original) e o lutador é um excelente exemplo dessa quebra de realidades. O fato é que o filme não apenas retrata a vida de Saúl Armendáriz, mas também serve como uma reflexão profunda sobre temas universais como identidade, aceitação e coragem. Ao analisar essas inúmeras camadas emocionais, bem como as pressões sociais enfrentadas pelo protagonista, fica fácil atestar que "Cassandro" nos oferece uma visão que não tem muito a ver com a luta livre em si, mas sim com as complexidades das relações humanas com aquela forte influência de melancolia.

Assista Agora

"Cassandro" é sensível em sua temática, mas muito potente em sua mensagem! Dirigido pelo documentarista Roger Ross Williams, vencedor do Oscar pelo curta-metragem "Music by Prudence" e depois indicado pelo longa "Life, Animated", essa ficção é muito feliz ao fazer um recorte certeiro da vida de Saúl Armendáriz, oferecendo uma visão única e emocionante de um lutador gay de luta-livre que precisou vencer o preconceito para se estabelecer como uma verdadeira estrela do entretenimento mexicano nos anos 80 e 90. Saiba que o filme não será uma unanimidade, pela sua forma, com uma pegada mais independente de cinema, como pelo seu conteúdo, muitas vezes provocativo ao extremo - porém é preciso destacar sua abordagem bastante corajosa e autêntica, não apenas explorando a intensidade dos bastidores do mundo da luta livre, como também os desafios da homossexualidade perante as normas sociais da época. Com uma narrativa cativante e uma impecável direção, Williams nos entrega um retrato multifacetado de Cassandro que certamente vai tocar seu coração.

Saúl Armendáriz (Gael García Bernal), um lutador gay de lucha libre de El Paso, alcança a fama internacional depois de criar o personagem "exótico" Cassandro, conhecido como o "Liberace da Lucha Libre". Durante esse processo, no entanto, ele subverte não apenas o mundo machista do entretenimento, como também precisa se assumir perante a própria vida com a ajuda de sua mãe Yocasta (Perla De La Rosa), até que o relacionamento com um homem casado e alguns fantasmas do passado colocam tudo isso a perder. Confira o trailer:

Parta do princípio que "Cassandro" é um olhar profundo sobre a família - de uma relação protetora quase patológica entre mãe e filho até o conflito doloroso com o pai Eduardo (Robert Salas), figura que lhe fez amar o esporte que viraria sua profissão, mas que também deixou a marca da destruição familiar ao abandonar Yocasta quando Saúl ainda era uma criança. Por outro lado existe o simbolismo da luta-livre, que encena a brutalidade e expõe o preconceito dentro e fora do ringue - e é aqui que nasce uma forte amizade com Sabrina (Roberta Colindrez), um encontro proporcionado pela admiração profissional e pelo amor ao esporte, mas que acaba construindo uma nova maneira dele enxergar o mundo que vive. 

Na realidade, a força do filme não está apenas na história cativante de um personagem realmente interessante, complexo e real, mas também na maestria técnica e artística com que Williams conduz sua narrativa. Ao lado do fotógrafo argentino Matias Penachino (de "Tiempo Compartido"), o diretor entrega um conceito visual muito impactante e extremamente imersivo, mesmo com um aspecto 4:3 (aquele das TVs de antigamente, capturando a intensidade das lutas ao mesmo tempo que mergulha na vulnerabilidade do protagonista fora do ringue. A trilha sonora, aliás, aprimora essa atmosfera, nos conectando emocionalmente e proporcionando para Gael García Bernal todas as ferramentas para que ele possa brilhar de verdade - e como ele brilha! Performance digna de indicação ao Oscar, eu arriscaria.

Existe uma pesquisa meticulosa, facilmente percebida na relação: direção de arte / roteiro / direção - são tantos detalhes que em muitos momentos acreditamos que estamos assistindo um documentário e não uma ficção. A cena da entrevista entre "El Hijo del Santo" (o original) e o lutador é um excelente exemplo dessa quebra de realidades. O fato é que o filme não apenas retrata a vida de Saúl Armendáriz, mas também serve como uma reflexão profunda sobre temas universais como identidade, aceitação e coragem. Ao analisar essas inúmeras camadas emocionais, bem como as pressões sociais enfrentadas pelo protagonista, fica fácil atestar que "Cassandro" nos oferece uma visão que não tem muito a ver com a luta livre em si, mas sim com as complexidades das relações humanas com aquela forte influência de melancolia.

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Depois de Lucia

Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmioUn Certain Regard, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!  

Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:

Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.

Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.

Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.

Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.

Vale muito o seu play!

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Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmioUn Certain Regard, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!  

Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:

Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.

Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.

Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.

Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.

Vale muito o seu play!

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Nuevo Orden

Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

Vale muito o seu play! 

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Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

Vale muito o seu play! 

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