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A Casa que Jack Construiu

Lars Von Trier (de "Melancolia") nos presenteia com algo insano e incandescente. Uma aula de como desenvolver personagens complexos, metáforas imponentes e um roteiro genial!

Um dia, durante um encontro fortuito na estrada, o arquiteto Jack (Matt Dillon) mata uma mulher. Este evento provoca um prazer inesperado no personagem, que passa a assassinar dezenas de pessoas ao longo de doze anos. Devido ao descaso das autoridades e a indiferença dos habitantes locais, o criminoso não encontra dificuldade em planejar seus crimes, executa-los ao olhar de todos e guardar os cadáveres num grande frigorífico. Tempos mais tarde, ele compartilha os seus casos mais marcantes com o sábio Virgílio (Bruno Ganz) em uma jornada rumo ao inferno. Confira o trailer:

Indubitavelmente Lars Von Trier nos choca! Uma mente doentia? Um gênio incompreendido? Talvez seja a mistura dos dois, porém, não podemos ter a audácia de mencionar que ele não engrandece o cinema em geral - esqueça seus escândalos pessoais, estou focando no artista, e com esse foco, ele figura na prateleira de cima dos diretores deste século. Sempre será um desperdício encararmos qualquer filme de Von Trier com uma mente fechada, objetiva e crua. O alcance mensurado por suas hipérboles sistemáticas conceituais sobre religião, credo e cor nos inflamam e nos causam estranheza e repúdio, no entanto, se olharmos com olhos de libertação ou até, uma libertinagem utópica, talvez a compreensão de seus filmes passam a ser mais “mastigáveis” para o grande público.

O modo com que Lars molda essa narrativa é grosseiramente genial. O clímax imposto em cada passagem de incidentes, é fluida e intrigante. A maneira como é diluída o tesão no âmago do protagonista psicopata que usa e abusa de diálogos efervescentes e metáforas distópicas, com o único e belo intuito de colecionar corpos, é instigante e soberbo. A violência gráfica é essencial, observamos que o diretor não quer nos chocar, e sim passar a mensagem de que o mundo caminha para o limbo social - o nocivo está presente em cada canto, no entanto, sua perceptividade em demonstrar as fraquezas do protagonista, aproximando ele da audiência, nos causa medo, e esse receio não é deferido pelas atrocidades mostradas, e sim por não sabermos quem é quem no mundo de hoje, não há nada mais aterrorizante do que não saber em quem confiar, a maldade pode estar ao seu lado.

Mas o mal tem cura? O desejo de esfolar, decapitar, estrangular é subversivo? Nascemos com isso ou vamos lapidando esse ódio continuo sobre o próximo com o passar do tempo? Lars Von Trier usa a arte como ponto de ebulição. O mal é derivado desse ostracismo artístico. O diretor nos presenteia com um filme asqueroso, impactante, lindo e reflexivo. Afinal, o inferno é alcançado após a morte ou já estamos nele? Assistam, é uma viagem existencial, quase espectral, até a podridão humana!

Um serial Killer com traços normais. Você conseguiria reconhecer um assassino em série? Eu aposto que não! "A Casa que Jack Construiu" é uma obra-prima!

Escrito por Bruno Overbeck - uma parceria @overcinee

Assista Agora

Lars Von Trier (de "Melancolia") nos presenteia com algo insano e incandescente. Uma aula de como desenvolver personagens complexos, metáforas imponentes e um roteiro genial!

Um dia, durante um encontro fortuito na estrada, o arquiteto Jack (Matt Dillon) mata uma mulher. Este evento provoca um prazer inesperado no personagem, que passa a assassinar dezenas de pessoas ao longo de doze anos. Devido ao descaso das autoridades e a indiferença dos habitantes locais, o criminoso não encontra dificuldade em planejar seus crimes, executa-los ao olhar de todos e guardar os cadáveres num grande frigorífico. Tempos mais tarde, ele compartilha os seus casos mais marcantes com o sábio Virgílio (Bruno Ganz) em uma jornada rumo ao inferno. Confira o trailer:

Indubitavelmente Lars Von Trier nos choca! Uma mente doentia? Um gênio incompreendido? Talvez seja a mistura dos dois, porém, não podemos ter a audácia de mencionar que ele não engrandece o cinema em geral - esqueça seus escândalos pessoais, estou focando no artista, e com esse foco, ele figura na prateleira de cima dos diretores deste século. Sempre será um desperdício encararmos qualquer filme de Von Trier com uma mente fechada, objetiva e crua. O alcance mensurado por suas hipérboles sistemáticas conceituais sobre religião, credo e cor nos inflamam e nos causam estranheza e repúdio, no entanto, se olharmos com olhos de libertação ou até, uma libertinagem utópica, talvez a compreensão de seus filmes passam a ser mais “mastigáveis” para o grande público.

O modo com que Lars molda essa narrativa é grosseiramente genial. O clímax imposto em cada passagem de incidentes, é fluida e intrigante. A maneira como é diluída o tesão no âmago do protagonista psicopata que usa e abusa de diálogos efervescentes e metáforas distópicas, com o único e belo intuito de colecionar corpos, é instigante e soberbo. A violência gráfica é essencial, observamos que o diretor não quer nos chocar, e sim passar a mensagem de que o mundo caminha para o limbo social - o nocivo está presente em cada canto, no entanto, sua perceptividade em demonstrar as fraquezas do protagonista, aproximando ele da audiência, nos causa medo, e esse receio não é deferido pelas atrocidades mostradas, e sim por não sabermos quem é quem no mundo de hoje, não há nada mais aterrorizante do que não saber em quem confiar, a maldade pode estar ao seu lado.

Mas o mal tem cura? O desejo de esfolar, decapitar, estrangular é subversivo? Nascemos com isso ou vamos lapidando esse ódio continuo sobre o próximo com o passar do tempo? Lars Von Trier usa a arte como ponto de ebulição. O mal é derivado desse ostracismo artístico. O diretor nos presenteia com um filme asqueroso, impactante, lindo e reflexivo. Afinal, o inferno é alcançado após a morte ou já estamos nele? Assistam, é uma viagem existencial, quase espectral, até a podridão humana!

Um serial Killer com traços normais. Você conseguiria reconhecer um assassino em série? Eu aposto que não! "A Casa que Jack Construiu" é uma obra-prima!

Escrito por Bruno Overbeck - uma parceria @overcinee

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Bastardos Inglórios

"Bastardos Inglórios" é mais uma obra-prima do mestre Tarantino! Eliminar nazistas, que tema lindo, não acham? Misture esse lindo tema com um roteiro inteligente, atuações estupendas e uma direção visceral, pronto... temos um clássico!

Segunda Guerra Mundial. A França está ocupada pelos nazistas. O tenente Aldo Raine (Brad Pitt) é o encarregado de reunir um pelotão de soldados de origem judaica, com o objetivo de realizar uma missão suicida contra os alemães. O objetivo é eliminar o maior número possível de nazistas, da forma mais cruel possível. Paralelamente Shosanna Dreyfuss (Mélanie Laurent) assiste a execução de sua família pelas mãos do coronel Hans Landa (Christoph Waltz), o que faz com que ela fuja para Paris. Lá Dreyfuss se disfarça como operadora e dona de um cinema local, enquanto planeja uma forma de se vingar. Confira o trailer:

Fatalmente, penso que junto com "Pulp Fiction", "Bastardos Inglórios" está, tranquilamente, no top 2 do Tarantino até aqui - na minha opinião.

Se trata de uma obra com a narração de fatos de uma França sob o domínio nazista com um roteiro perspicaz, não há como negar! A direção se alinha com uma estrutura narrativa que vai abordando os acontecimentos e intercalando os personagens até completar a ação - é uma completa “bagunça” arrumada. Tarantino abusa dos seus artifícios de imersão, é fácil nos sentirmos parte do filme, é um senso de espacialidade única. As explosões e o sangue jorrando não demora a aparecer - é um filme do Tarantino, né? Mas o verdadeiro mérito se encontra na dualidade designada para toda a narrativa, onde mesclam esplendorosamente bem as cenas de crueldade com os diálogos impecáveis.

Os diálogos são a cobertura e a cereja do bolo - eles são expressivos e intensos. A veracidade com que as conversas fluem é angustiante, isso aumenta o nível de tensão e o receio, o desconforto, vão nos invadindo de uma forma implacável! As atuações estão esplendorosas, o destaque vai para Waltz, que não por acaso venceu o Oscar de "Ator Coadjuvante" em 2010, com um personagem magnífico, misturando uma serenidade densa com um senso de crueldade - um assassino perfeito e digo mais: é um dos melhores coadjuvantes do século, sem dúvida. Pitt é outro que está ótimo, o personagem caiu como uma luva para o ator, está descontraído e elegante, uma excelente atuação. Todos do elenco parecem muito a vontade, era nítido que o clima nos bastidores realmente colocaria o filme em outro patamar - foi o que aconteceu!

Tarantino nos presenteia do melhor "jeito tarantinesco" possível: referências ao extremo, sangue jorrando em litros, um vilão odiável e fogo nos nazistas - olha que coisa linda de se contar e de assistir. "Bastardos Inglórios" é nitidamente um filme fora da curva. Personagens inesquecíveis, uma narrativa pesada colocando em jogo a sobrevivência de todos em cena com o maior clamor de originalidade e perspicácia possível - um marco do cinema, um dos melhores filmes da década! É impressionante como o filme consegue nos transmitir o alívio de tentar expurgar essa raça nazista que só nos deixou sequelas!

É a junção de brutalidade e inteligência sendo codificada em um filme icônico! Tarantino é gênio e é um deleite ver e rever essa obra! Ainda preciso dizer que vale a pena?

Up-date: "Bastardos Inglórios" recebeu 8 indicações no Oscar 2010, inclusive "Melhor Filme"!

Escrito por Bruno Overbeck - uma parceria @overcinee

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"Bastardos Inglórios" é mais uma obra-prima do mestre Tarantino! Eliminar nazistas, que tema lindo, não acham? Misture esse lindo tema com um roteiro inteligente, atuações estupendas e uma direção visceral, pronto... temos um clássico!

Segunda Guerra Mundial. A França está ocupada pelos nazistas. O tenente Aldo Raine (Brad Pitt) é o encarregado de reunir um pelotão de soldados de origem judaica, com o objetivo de realizar uma missão suicida contra os alemães. O objetivo é eliminar o maior número possível de nazistas, da forma mais cruel possível. Paralelamente Shosanna Dreyfuss (Mélanie Laurent) assiste a execução de sua família pelas mãos do coronel Hans Landa (Christoph Waltz), o que faz com que ela fuja para Paris. Lá Dreyfuss se disfarça como operadora e dona de um cinema local, enquanto planeja uma forma de se vingar. Confira o trailer:

Fatalmente, penso que junto com "Pulp Fiction", "Bastardos Inglórios" está, tranquilamente, no top 2 do Tarantino até aqui - na minha opinião.

Se trata de uma obra com a narração de fatos de uma França sob o domínio nazista com um roteiro perspicaz, não há como negar! A direção se alinha com uma estrutura narrativa que vai abordando os acontecimentos e intercalando os personagens até completar a ação - é uma completa “bagunça” arrumada. Tarantino abusa dos seus artifícios de imersão, é fácil nos sentirmos parte do filme, é um senso de espacialidade única. As explosões e o sangue jorrando não demora a aparecer - é um filme do Tarantino, né? Mas o verdadeiro mérito se encontra na dualidade designada para toda a narrativa, onde mesclam esplendorosamente bem as cenas de crueldade com os diálogos impecáveis.

Os diálogos são a cobertura e a cereja do bolo - eles são expressivos e intensos. A veracidade com que as conversas fluem é angustiante, isso aumenta o nível de tensão e o receio, o desconforto, vão nos invadindo de uma forma implacável! As atuações estão esplendorosas, o destaque vai para Waltz, que não por acaso venceu o Oscar de "Ator Coadjuvante" em 2010, com um personagem magnífico, misturando uma serenidade densa com um senso de crueldade - um assassino perfeito e digo mais: é um dos melhores coadjuvantes do século, sem dúvida. Pitt é outro que está ótimo, o personagem caiu como uma luva para o ator, está descontraído e elegante, uma excelente atuação. Todos do elenco parecem muito a vontade, era nítido que o clima nos bastidores realmente colocaria o filme em outro patamar - foi o que aconteceu!

Tarantino nos presenteia do melhor "jeito tarantinesco" possível: referências ao extremo, sangue jorrando em litros, um vilão odiável e fogo nos nazistas - olha que coisa linda de se contar e de assistir. "Bastardos Inglórios" é nitidamente um filme fora da curva. Personagens inesquecíveis, uma narrativa pesada colocando em jogo a sobrevivência de todos em cena com o maior clamor de originalidade e perspicácia possível - um marco do cinema, um dos melhores filmes da década! É impressionante como o filme consegue nos transmitir o alívio de tentar expurgar essa raça nazista que só nos deixou sequelas!

É a junção de brutalidade e inteligência sendo codificada em um filme icônico! Tarantino é gênio e é um deleite ver e rever essa obra! Ainda preciso dizer que vale a pena?

Up-date: "Bastardos Inglórios" recebeu 8 indicações no Oscar 2010, inclusive "Melhor Filme"!

Escrito por Bruno Overbeck - uma parceria @overcinee

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Capital Humano

As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.

Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:

O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).

Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).

Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.

Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".

Pode dar play sem medo!

Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco  Marisa Tomei e Liev Schreiber.

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As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.

Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:

O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).

Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).

Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.

Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".

Pode dar play sem medo!

Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco  Marisa Tomei e Liev Schreiber.

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Destacamento Blood

O novo filmedirigido pelo Spike Lee é extremamente interessante por inverter o processo de re-adaptação de um ex-combatente da Guerra do Vietnã. Enquanto o retorno para casa sempre guiou essa jornada, o diretor faz justamente uma provocação: o que aconteceria se soldados veteranosvoltassem ao Vietnã décadas depois? "Destacamento Blood" segue o conceito narrativo que Lee vem experimentando e que chamou tanto a atenção em "Infiltrado na Klan" - onde ele usa e abusa do seu repertório "multi-plataforma" para promover algum tipo de crítica social ou para expôr algum assunto político que precisa ser discutido!

Em "Destacamento Blood" acompanhamos quatro ex-soldados, não por acaso, negros, que retornam ao Vietnã com o objetivo de encontrar o corpo de um dos membros do destacamento, morto durante a guerra. Acontece que, na verdade, eles querem mesmo é reaver uma grande quantia de ouro que esconderam na época em que estavam em combate. Confira o trailer:

Embora no primeiro momento "Destacamento Blood" tenha um ar quase romântico de um "road movie", onde velhos amigos se reunem para (re)viver alguma grande experiência e finalmente encontrar uma espécie de "paz espiritual", logo percebemos que o filme vai muito além, nos surpreendendo com as várias camadas que Spike Lee nos mostra, sem a menor pressa, com o intuito de desmistificar a complexidade que é lidar com os fantasmas da Guerra. Acontece que os personagens trazem para si a humanidade de serem únicos, ou seja, o trauma se manifesta de maneira diferente entre eles e isso faz com que o conflito se instale de uma forma tão orgânica que fica completamente justificado o mapa mental do diretor ao conectar fatos reais com a ficção - mesmo que em alguns momentos possa parecer didático demais. A "grande experiência" que os amigos buscam está lá, claro, mas a forma como ela vai se materializando é que faz de "Destacamento Blood" o primeiro grande lançamento de 2020 - só por isso já valeria o seu play, mas tenha certeza: o filme tem muito mais para oferecer!

O roteiro é muito inteligente em alternar duas linhas temporais para nos mostrar o valor da amizade entre um grupo de soldados negros, mesmo com ideologias diferentes - e aqui já cabe um comentário sobre a direção de Lee: ele é extremamente inventivo desde as transições entre essas épocas distintas ao tipo de janela que ele usa para contar a história. Embora não seja nada original usar o 4:3 para definir o que é passado e o 16:9 para estabelecer o que é o presente, Lee vai além, ele divide os aspectos da imagem da seguinte forma: "1.33 : 1" nas cenas do passado, "1.85 : 1" para as cenas do presente que se passam na floresta e "2.39 : 1" para as cenas urbanas do presente. Além disso, o diretor brinca com diversas formas de captação de imagens, usando câmeras com negativos 8mm, 16 mm (o que trás aquele visual mais granulado para as cenas) até câmeras digitais, mais tradicionais nos dias de hoje!

Eu sei que as informações acima podem parecer técnicas demais, mas basta reparar na forma como cada fase da história é mostrada na tela que ficará fácil entender a razão pela qual Lee escolheu misturar tantas técnicas e tecnologias. Vale lembrar que o diretor de fotografia do filme é o Newton Thomas Sigel, muito elogiado pela sua criatividade no, também da Netflix, "Resgate"! Outro ponto alto de "Destacamento Blood" é o trabalho do elenco e o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia - se a leveza marca o tom dos primeiros minutos, a sua transformação é tão bem executada durante o segundo ato que temos a impressão de se tratar de um outro filme. O grande destaque, sem dúvida, é Delroy Lindo como Paul - pode ter certeza que, mesmo ainda sendo muito cedo, ele já entra como potencial indicado para o Oscar 2021! Uma decisão criativa do Spike Lee que favoreceu a exposição do elenco principal é que, mesmo em flashbacks,as cenas são interpretadas pelos mesmos atores e sem nenhuma caracterização para rejuvenescê-los, criando assim uma relação quase imaginativa para as cenas de combate - ficou lindo!

"Destacamento Blood" não é um filme de guerra; é notavelmente um drama bem estruturado onde a jornada dos personagens é apresentada em diferentes camadas para classificar as diferentes formas de lidar com o mesmo fantasma! Como todo filme de um diretor com uma identidade tão forte como o Spike Lee, você não vai encontrar uma obra fácil, ou superficial. Suas citações históricas e até a exposição contundente de sua luta, surgem dentro de um contexto que poucos seriam capazes de fazer e isso pode até diminuir a força dramática existente no imaginário de quem procura dramas de guerra, mas tranquilamente vai fortalecer a discussão sobre como lidar com personagens que nada mais são do que o reflexo histórico de uma nação desigual!

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O novo filmedirigido pelo Spike Lee é extremamente interessante por inverter o processo de re-adaptação de um ex-combatente da Guerra do Vietnã. Enquanto o retorno para casa sempre guiou essa jornada, o diretor faz justamente uma provocação: o que aconteceria se soldados veteranosvoltassem ao Vietnã décadas depois? "Destacamento Blood" segue o conceito narrativo que Lee vem experimentando e que chamou tanto a atenção em "Infiltrado na Klan" - onde ele usa e abusa do seu repertório "multi-plataforma" para promover algum tipo de crítica social ou para expôr algum assunto político que precisa ser discutido!

Em "Destacamento Blood" acompanhamos quatro ex-soldados, não por acaso, negros, que retornam ao Vietnã com o objetivo de encontrar o corpo de um dos membros do destacamento, morto durante a guerra. Acontece que, na verdade, eles querem mesmo é reaver uma grande quantia de ouro que esconderam na época em que estavam em combate. Confira o trailer:

Embora no primeiro momento "Destacamento Blood" tenha um ar quase romântico de um "road movie", onde velhos amigos se reunem para (re)viver alguma grande experiência e finalmente encontrar uma espécie de "paz espiritual", logo percebemos que o filme vai muito além, nos surpreendendo com as várias camadas que Spike Lee nos mostra, sem a menor pressa, com o intuito de desmistificar a complexidade que é lidar com os fantasmas da Guerra. Acontece que os personagens trazem para si a humanidade de serem únicos, ou seja, o trauma se manifesta de maneira diferente entre eles e isso faz com que o conflito se instale de uma forma tão orgânica que fica completamente justificado o mapa mental do diretor ao conectar fatos reais com a ficção - mesmo que em alguns momentos possa parecer didático demais. A "grande experiência" que os amigos buscam está lá, claro, mas a forma como ela vai se materializando é que faz de "Destacamento Blood" o primeiro grande lançamento de 2020 - só por isso já valeria o seu play, mas tenha certeza: o filme tem muito mais para oferecer!

O roteiro é muito inteligente em alternar duas linhas temporais para nos mostrar o valor da amizade entre um grupo de soldados negros, mesmo com ideologias diferentes - e aqui já cabe um comentário sobre a direção de Lee: ele é extremamente inventivo desde as transições entre essas épocas distintas ao tipo de janela que ele usa para contar a história. Embora não seja nada original usar o 4:3 para definir o que é passado e o 16:9 para estabelecer o que é o presente, Lee vai além, ele divide os aspectos da imagem da seguinte forma: "1.33 : 1" nas cenas do passado, "1.85 : 1" para as cenas do presente que se passam na floresta e "2.39 : 1" para as cenas urbanas do presente. Além disso, o diretor brinca com diversas formas de captação de imagens, usando câmeras com negativos 8mm, 16 mm (o que trás aquele visual mais granulado para as cenas) até câmeras digitais, mais tradicionais nos dias de hoje!

Eu sei que as informações acima podem parecer técnicas demais, mas basta reparar na forma como cada fase da história é mostrada na tela que ficará fácil entender a razão pela qual Lee escolheu misturar tantas técnicas e tecnologias. Vale lembrar que o diretor de fotografia do filme é o Newton Thomas Sigel, muito elogiado pela sua criatividade no, também da Netflix, "Resgate"! Outro ponto alto de "Destacamento Blood" é o trabalho do elenco e o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia - se a leveza marca o tom dos primeiros minutos, a sua transformação é tão bem executada durante o segundo ato que temos a impressão de se tratar de um outro filme. O grande destaque, sem dúvida, é Delroy Lindo como Paul - pode ter certeza que, mesmo ainda sendo muito cedo, ele já entra como potencial indicado para o Oscar 2021! Uma decisão criativa do Spike Lee que favoreceu a exposição do elenco principal é que, mesmo em flashbacks,as cenas são interpretadas pelos mesmos atores e sem nenhuma caracterização para rejuvenescê-los, criando assim uma relação quase imaginativa para as cenas de combate - ficou lindo!

"Destacamento Blood" não é um filme de guerra; é notavelmente um drama bem estruturado onde a jornada dos personagens é apresentada em diferentes camadas para classificar as diferentes formas de lidar com o mesmo fantasma! Como todo filme de um diretor com uma identidade tão forte como o Spike Lee, você não vai encontrar uma obra fácil, ou superficial. Suas citações históricas e até a exposição contundente de sua luta, surgem dentro de um contexto que poucos seriam capazes de fazer e isso pode até diminuir a força dramática existente no imaginário de quem procura dramas de guerra, mas tranquilamente vai fortalecer a discussão sobre como lidar com personagens que nada mais são do que o reflexo histórico de uma nação desigual!

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Era uma vez em Hollywood

Era uma vez em Hollywood

Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Era uma vez em… Hollywood" é um filme "escrito e dirigido" pelo Quentin Tarantino e isso trás, por si só, um selo de criatividade que quase sempre desconstrói algumas regras narrativas que estamos acostumados a encontrar em outros filmes. Definir a sinopse de  "Era uma vez em… Hollywood" já me parece um grande desafio, então, seguindo as regras do Tarantino, vou desconstruir a maneira como normalmente analiso os filmes por aqui. Talvez o filme não tenha como foco principal contar a história real de Sharon Tate (Margot Robbie), mas é de vital importância conhece-la: Tate era uma jovem atriz americana em inicio de carreira. Ela foi casada com o diretor Roman Polanski e em "Era uma vez" ela está descobrindo o valor (e o sabor) da fama após o lançamento de seu primeiro filme de destaque. Acontece que na vida real, Tate foi brutalmente assassinada pelas mãos da Família Manson, uma seita de hippies que moravam em um rancho que por muito tempo serviu de cenário para filmes de Faroeste - não preciso dizer que esses maníacos eram seguidores de Charles Manson (Damon Herriman), certo? Ah, e que ele está no filme!

Acontece que Tate é apenas um dos pilares dessa história e está longe de ser uma das protagonistas! Com isso, posso afirmar que a construção da jornada dos outros dois personagens (ou dos outros pilares do filme), é o elemento narrativo mais interessante de "Era uma vez em… Hollywood", pois é na convergência dessa construção que o filme passa a fazer sentido, mesmo com arcos tão distantes do que será entregue no final. Parece complicado, mas na prática vai fazer todo sentido: Rick Dalton (Leonardo de DiCaprio) é um ator que só interpreta vilões e que se vê estagnado na carreira, o que acaba gerando uma enorme insegurança para ele. Já Cliff Booth (Brad Pitt) é seu dublê e fiel escudeiro, embora tenha uma enorme dificuldade para encontrar trabalho por ter um temperamento, digamos, sincero demais e por carregar o peso de uma história onde teria assassinado sua esposa durante um passeio de barco, é um cara seguro e muito bem resolvido! Os dois, ao lado de Tate, estão inseridos em um contexto onde Hollywood tem o poder absoluto de transformar a vida das pessoas, porém ela cobra seu preço e em diferentes níveis - essa é a crítica que Tarantino faz no filme ao mesmo tempo em que se declara como cineasta pela história da televisão e como suas produções tiveram total importância na ascensão de grandes atores e do cinema como um todo.

Se você espera um festival de pancadaria, tiroteios e muito sangue cenográfico como em outros filmes do diretor, é bem possível que você vá se decepcionar. Como sugeri nos parágrafos anteriores, "Era uma vez em… Hollywood" é um filme focado no personagem, nas suas experiências de vida e, principalmente, na sua forma de encarar as situações "cotidianas" que o roteiro propõe - não que os outros filmes do diretor não tivessem isso, mas posso garantir que aqui eles são mais cirúrgicos, quase um estudo de personalidade, o que deflagra elementos de suspense na mesma proporção que encontramos o drama, a ação e a comédia - reparem em toda sequência onde Rick Dalton encontra Trudi Fraser (Julia Butters) antes de filmar uma cena do piloto da série: existe um diálogo sensacional e depois de contracenar com ela na ficção, o diretor nos entrega todos os elementos acima sem ao menos estereotipar qualquer um dos gêneros - isso é muito Tarantino, porém com a mão menos pesada! A cena onde Cliff Booth resolve conferir se seu antigo amigo, dono do rancho onde a família Manson se instalou, está realmente dormindo; é outro grande exemplo do equilíbrio narrativo que o diretor propõem!

Uma coisa que me chamou muito a atenção são os movimentos de câmera extremamente criativos. A câmera passeia entre um plano e outro de uma forma tão orgânica que muitas vezes achei que existia um corte, quando na verdade era um plano sequência. A fotografia do Robert Richardson (o monstro por trás de JFK, Aviador e Hugo) é algo fora do comum - é ele que dá vida as loucuras criativas do Tarantino desde Kill Bill. Ele merece essa mais essa indicação ao Oscar 2020. Uma curiosidade é que tudo foi realmente filmado em locação, ou seja, as cenas em Los Angeles foram feitas nas ruas e estradas da cidade! Tudo foi adereçado e produzido para nos colocar no final dos anos 60! Tudo está lá, sem fundo verde! Outro elemento que vale a referência é o desenho de som: reparem como o som da televisão (e muitas vezes o próprio texto que sai dela) se encaixa perfeitamente nas cenas que acontecem fora dela. Reparem como a rádio dos carros também ajudam a dar o mood daquela Hollywood como se fosse uma espécie de conto de fadas sendo contada. Aliás, meu amigo, que trilha sonora é essa!!!! Importante você reparar (com muita atenção) como nada que o Tarantino pede para colocar no cenário é gratuito - tudo ajuda a compor o personagem ou a ação que ali vai acontecer. Ele nunca rouba no jogo - reparem em tudo: da comida do cachorro que está no armário da cozinha de Cliff Booth aos objetos na garagem de Rick Dalton.

É claro que, como todo filme do Tarantino, uns vão odiar enquanto outros vão idolatrar, porém eu preciso dizer que "Era uma vez em… Hollywood" é uma aula de narrativa, tanto de roteiro quanto de direção. Talvez o filme onde absolutamente todos os atores estão exatamente no tom certo com seus personagens: do diretor da série ao gerente do cinema. Dos hippies da família Manson ao próprio Bruce Lee. Sem falar, claro, no excelente trabalho do Leonardo de DiCaprio - o melhor trabalho da carreira dele até aqui; junto com a Margot Robbie e com Brad Pitt - não se surpreenda se os três forem indicados no próximo ano! 

Grande filme e do fundo do coração, espero que essa análise ajude na sua experiência ao assistir "Era uma vez em… Hollywood", porque é até compreensível não conhecer algumas histórias que o filme referencia, mas como obra cinematográfica, olha, tudo é quase perfeito! Vale seu play!

Ah, antes de terminar:  existe uma cena pós-créditos onde Ricky Dalton faz um comercial para a marca de cigarros Red Apple. Saiba que essa é a marca fumada pelos personagens de Pulp Fiction, Kill Bill e Os Oito Odiados - ela não existe, mas a brincadeira do Tarantino vale pelo alívio cômico!

Up-date: "Era uma vez em… Hollywood" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Design de Produção e Melhor Ator Coadjuvante!

Assista Agora

Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Era uma vez em… Hollywood" é um filme "escrito e dirigido" pelo Quentin Tarantino e isso trás, por si só, um selo de criatividade que quase sempre desconstrói algumas regras narrativas que estamos acostumados a encontrar em outros filmes. Definir a sinopse de  "Era uma vez em… Hollywood" já me parece um grande desafio, então, seguindo as regras do Tarantino, vou desconstruir a maneira como normalmente analiso os filmes por aqui. Talvez o filme não tenha como foco principal contar a história real de Sharon Tate (Margot Robbie), mas é de vital importância conhece-la: Tate era uma jovem atriz americana em inicio de carreira. Ela foi casada com o diretor Roman Polanski e em "Era uma vez" ela está descobrindo o valor (e o sabor) da fama após o lançamento de seu primeiro filme de destaque. Acontece que na vida real, Tate foi brutalmente assassinada pelas mãos da Família Manson, uma seita de hippies que moravam em um rancho que por muito tempo serviu de cenário para filmes de Faroeste - não preciso dizer que esses maníacos eram seguidores de Charles Manson (Damon Herriman), certo? Ah, e que ele está no filme!

Acontece que Tate é apenas um dos pilares dessa história e está longe de ser uma das protagonistas! Com isso, posso afirmar que a construção da jornada dos outros dois personagens (ou dos outros pilares do filme), é o elemento narrativo mais interessante de "Era uma vez em… Hollywood", pois é na convergência dessa construção que o filme passa a fazer sentido, mesmo com arcos tão distantes do que será entregue no final. Parece complicado, mas na prática vai fazer todo sentido: Rick Dalton (Leonardo de DiCaprio) é um ator que só interpreta vilões e que se vê estagnado na carreira, o que acaba gerando uma enorme insegurança para ele. Já Cliff Booth (Brad Pitt) é seu dublê e fiel escudeiro, embora tenha uma enorme dificuldade para encontrar trabalho por ter um temperamento, digamos, sincero demais e por carregar o peso de uma história onde teria assassinado sua esposa durante um passeio de barco, é um cara seguro e muito bem resolvido! Os dois, ao lado de Tate, estão inseridos em um contexto onde Hollywood tem o poder absoluto de transformar a vida das pessoas, porém ela cobra seu preço e em diferentes níveis - essa é a crítica que Tarantino faz no filme ao mesmo tempo em que se declara como cineasta pela história da televisão e como suas produções tiveram total importância na ascensão de grandes atores e do cinema como um todo.

Se você espera um festival de pancadaria, tiroteios e muito sangue cenográfico como em outros filmes do diretor, é bem possível que você vá se decepcionar. Como sugeri nos parágrafos anteriores, "Era uma vez em… Hollywood" é um filme focado no personagem, nas suas experiências de vida e, principalmente, na sua forma de encarar as situações "cotidianas" que o roteiro propõe - não que os outros filmes do diretor não tivessem isso, mas posso garantir que aqui eles são mais cirúrgicos, quase um estudo de personalidade, o que deflagra elementos de suspense na mesma proporção que encontramos o drama, a ação e a comédia - reparem em toda sequência onde Rick Dalton encontra Trudi Fraser (Julia Butters) antes de filmar uma cena do piloto da série: existe um diálogo sensacional e depois de contracenar com ela na ficção, o diretor nos entrega todos os elementos acima sem ao menos estereotipar qualquer um dos gêneros - isso é muito Tarantino, porém com a mão menos pesada! A cena onde Cliff Booth resolve conferir se seu antigo amigo, dono do rancho onde a família Manson se instalou, está realmente dormindo; é outro grande exemplo do equilíbrio narrativo que o diretor propõem!

Uma coisa que me chamou muito a atenção são os movimentos de câmera extremamente criativos. A câmera passeia entre um plano e outro de uma forma tão orgânica que muitas vezes achei que existia um corte, quando na verdade era um plano sequência. A fotografia do Robert Richardson (o monstro por trás de JFK, Aviador e Hugo) é algo fora do comum - é ele que dá vida as loucuras criativas do Tarantino desde Kill Bill. Ele merece essa mais essa indicação ao Oscar 2020. Uma curiosidade é que tudo foi realmente filmado em locação, ou seja, as cenas em Los Angeles foram feitas nas ruas e estradas da cidade! Tudo foi adereçado e produzido para nos colocar no final dos anos 60! Tudo está lá, sem fundo verde! Outro elemento que vale a referência é o desenho de som: reparem como o som da televisão (e muitas vezes o próprio texto que sai dela) se encaixa perfeitamente nas cenas que acontecem fora dela. Reparem como a rádio dos carros também ajudam a dar o mood daquela Hollywood como se fosse uma espécie de conto de fadas sendo contada. Aliás, meu amigo, que trilha sonora é essa!!!! Importante você reparar (com muita atenção) como nada que o Tarantino pede para colocar no cenário é gratuito - tudo ajuda a compor o personagem ou a ação que ali vai acontecer. Ele nunca rouba no jogo - reparem em tudo: da comida do cachorro que está no armário da cozinha de Cliff Booth aos objetos na garagem de Rick Dalton.

É claro que, como todo filme do Tarantino, uns vão odiar enquanto outros vão idolatrar, porém eu preciso dizer que "Era uma vez em… Hollywood" é uma aula de narrativa, tanto de roteiro quanto de direção. Talvez o filme onde absolutamente todos os atores estão exatamente no tom certo com seus personagens: do diretor da série ao gerente do cinema. Dos hippies da família Manson ao próprio Bruce Lee. Sem falar, claro, no excelente trabalho do Leonardo de DiCaprio - o melhor trabalho da carreira dele até aqui; junto com a Margot Robbie e com Brad Pitt - não se surpreenda se os três forem indicados no próximo ano! 

Grande filme e do fundo do coração, espero que essa análise ajude na sua experiência ao assistir "Era uma vez em… Hollywood", porque é até compreensível não conhecer algumas histórias que o filme referencia, mas como obra cinematográfica, olha, tudo é quase perfeito! Vale seu play!

Ah, antes de terminar:  existe uma cena pós-créditos onde Ricky Dalton faz um comercial para a marca de cigarros Red Apple. Saiba que essa é a marca fumada pelos personagens de Pulp Fiction, Kill Bill e Os Oito Odiados - ela não existe, mas a brincadeira do Tarantino vale pelo alívio cômico!

Up-date: "Era uma vez em… Hollywood" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Design de Produção e Melhor Ator Coadjuvante!

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Infiltrado na Klan

"Essa parada é baseada numa M****, muito, muito real!!!" - Com essa legenda (tradução livre), Spike Lee já te fala de cara que você vai tomar alguns socos no estômago vendo o filme, o que de fato acontece em vários momentos e sem pedir muita permissão!!! O filme é sensacional!!! A história de um policial negro que precisa se infiltrar na KKK para evitar possíveis atentados a comunidade negra e judia na cidade de Colorado Springs no final dos anos 70 é incrível!

O período era de grande agitação social onde a luta pelos direitos civis estavam borbulhando! Ron Stallworth (John David Washington) acabava de se tornar o primeiro detetive afro-americano do Departamento da Polícia de El Paso, mas a sua chegada era vista com muito ceticismo, iniciando uma certa hostilidade entre os vários departamentos da instituição. Porém, com sua audácia, Ron Stallworth decide fazer a diferença na sua comunidade, se infiltrando na Ku Klux Klan para depois expor seus integrantes e acabar com a onde de impunidade que permeava os EUA da época! Veja o trailer:

Olha, tecnicamente o filme está impecável. Spike Lee é aquele tipo diretor que transita em vários universos, que hoje chamamos de "Muilti-plataforma", mas acho que ele vai além disso, porque ele usa conceitos narrativos e estéticos de tudo que ele já fez e, melhor, de tudo que ele busca como referência. "BlacKkKlansman" (titulo original) é um show de referências e conceitos, de publicidade, de games, de outros diretores, de tv, de cinema, etc. Em determinados momentos ele dá uma leve desnivelada na camera, principalmente nas conversas pelo telefone, e cria uma sensação de instabilidade que é linda de ver. As aplicações gráficas, total anos 70, estão lindas, totalmente integradas à história - e isso é muito difícil de fazer.  Em outros momentos ele parece quebrar a linearidade da edição com um corte de câmera, então você acaba assistindo uma mesma ação duas vezes, mas muito rápido, quase imperceptível, mas que te trás sensações de desconforto e estranhamento na hora certa!!

Os atores estão perfeitos: John David Washington está incrível como protagonista: intenso e sensível ao que está acontecendo com ele, mas com uma naturalidade para chegar aos alívios cômicos digno de Oscar (embora ele tenha, pelo menos, o Rami Malek pela frente). Reparem em uma personagem sem muito destaque, mas representa o que é um bom trabalho no olhar mais introspectivo, e na ação, completamente over-acting, mas com o range certo: a Connie, mulher do Felix, interpretada pela Ashlie Atkinson - ela dá um show. A fotografia também está linda, Chayse Irvin vem da publicidade e da música; merece uma indicação em 2019 sem a menor dúvida!!!!

Vale muito a pena

Up-date: "Infiltrado na Klan" ganhou em uma categoria no Oscar 2019: Melhor Roteiro Adaptado!

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"Essa parada é baseada numa M****, muito, muito real!!!" - Com essa legenda (tradução livre), Spike Lee já te fala de cara que você vai tomar alguns socos no estômago vendo o filme, o que de fato acontece em vários momentos e sem pedir muita permissão!!! O filme é sensacional!!! A história de um policial negro que precisa se infiltrar na KKK para evitar possíveis atentados a comunidade negra e judia na cidade de Colorado Springs no final dos anos 70 é incrível!

O período era de grande agitação social onde a luta pelos direitos civis estavam borbulhando! Ron Stallworth (John David Washington) acabava de se tornar o primeiro detetive afro-americano do Departamento da Polícia de El Paso, mas a sua chegada era vista com muito ceticismo, iniciando uma certa hostilidade entre os vários departamentos da instituição. Porém, com sua audácia, Ron Stallworth decide fazer a diferença na sua comunidade, se infiltrando na Ku Klux Klan para depois expor seus integrantes e acabar com a onde de impunidade que permeava os EUA da época! Veja o trailer:

Olha, tecnicamente o filme está impecável. Spike Lee é aquele tipo diretor que transita em vários universos, que hoje chamamos de "Muilti-plataforma", mas acho que ele vai além disso, porque ele usa conceitos narrativos e estéticos de tudo que ele já fez e, melhor, de tudo que ele busca como referência. "BlacKkKlansman" (titulo original) é um show de referências e conceitos, de publicidade, de games, de outros diretores, de tv, de cinema, etc. Em determinados momentos ele dá uma leve desnivelada na camera, principalmente nas conversas pelo telefone, e cria uma sensação de instabilidade que é linda de ver. As aplicações gráficas, total anos 70, estão lindas, totalmente integradas à história - e isso é muito difícil de fazer.  Em outros momentos ele parece quebrar a linearidade da edição com um corte de câmera, então você acaba assistindo uma mesma ação duas vezes, mas muito rápido, quase imperceptível, mas que te trás sensações de desconforto e estranhamento na hora certa!!

Os atores estão perfeitos: John David Washington está incrível como protagonista: intenso e sensível ao que está acontecendo com ele, mas com uma naturalidade para chegar aos alívios cômicos digno de Oscar (embora ele tenha, pelo menos, o Rami Malek pela frente). Reparem em uma personagem sem muito destaque, mas representa o que é um bom trabalho no olhar mais introspectivo, e na ação, completamente over-acting, mas com o range certo: a Connie, mulher do Felix, interpretada pela Ashlie Atkinson - ela dá um show. A fotografia também está linda, Chayse Irvin vem da publicidade e da música; merece uma indicação em 2019 sem a menor dúvida!!!!

Vale muito a pena

Up-date: "Infiltrado na Klan" ganhou em uma categoria no Oscar 2019: Melhor Roteiro Adaptado!

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Invincible

Antes de mais nada é preciso avisar: "Invincible" será uma das animações mais violentas que você vai assistir! A surpreendente série da Prime Vídeo pinta, ou melhor, mancha de vermelho duas histórias bastante tradicionais: a "jornada do herói" e o ‘coming of age’.

Nesse universo, vários seres com superpoderes habitam a Terra (e outros planetas). Todos os heróis e vilões que você conhece parecem ter uma ‘versão beta’ em "Invincible". E isso não é ruim. Não mesmo! Os personagens possuem motivações convincentes e até dúbias. Há várias subtramas acontecendo ao mesmo tempo e, felizmente, o roteiro consegue costura-las organicamente.

A série adapta os HQs de Robert Kirkman e narra a vida de um jovem de 17 anos que é filho de um poderoso alienígena com uma humana, Mark Grayson. O adolescente ainda está aprendendo a usar seus poderes quando se vê frente a ameaças como invasões extraterrestres e vilões sádicos. E, enquanto tenta salvar o dia e seguir os passos de seu pai, um famoso super-herói, ele também tenta sobreviver ao seu processo de amadurecimento como um ser "quase" humano. Confira o trailer:

A série não tem uma definição clara de público alvo. A violência explícita e o mistério sombrio contrastam com um drama juvenil e diálogos simplórios (pra não dizer bobos). Em compensação, o humor afiado funciona bem. O espetacular elenco de vozes que vai de J.K. Simmons até Zachary Quinto, passando por Sandra Oh, Steven Yeun, Zazie Beetz, Gillian Jacobs, entre outros; eleva (ainda mais) o nível de carisma dos personagens. Por isso, fica a recomendação: assista no idioma original!

Esteticamente, a animação 2D se aproxima menos de clássicos japoneses (como "Akira") e mais de séries juvenis (como "X-Men: Evolution") - o conceito estético segue com grande fidelidade os traços originais de Ryan Otley e Cory Walker dos HQs, com a atmosfera e o tom bastante semelhantes às histórias publicadas pela Image Comics em 144 edições entre 2003 e 2018. Também por isso, a violência é ainda mais impactante!

A duração dos episódios poderia ser menor? Sim. Apesar disso, a carga dramática é crescente na segunda metade da temporada. Os dois últimos episódios, especialmente, são uma sequência de socos no estômago – em todos os sentidos.

"Invincible" traz um frescor sangrento ao já saturado universo dos super-heróis. Para Mark Grayson, testemunhar verdades inconvenientes e a fragilidade da vida humana são os golpes que mais machucam. Vale a pena!

Escrito por Ricelli Ribeiro com Edição de André Siqueira - uma parceria @dicastreaming 

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Antes de mais nada é preciso avisar: "Invincible" será uma das animações mais violentas que você vai assistir! A surpreendente série da Prime Vídeo pinta, ou melhor, mancha de vermelho duas histórias bastante tradicionais: a "jornada do herói" e o ‘coming of age’.

Nesse universo, vários seres com superpoderes habitam a Terra (e outros planetas). Todos os heróis e vilões que você conhece parecem ter uma ‘versão beta’ em "Invincible". E isso não é ruim. Não mesmo! Os personagens possuem motivações convincentes e até dúbias. Há várias subtramas acontecendo ao mesmo tempo e, felizmente, o roteiro consegue costura-las organicamente.

A série adapta os HQs de Robert Kirkman e narra a vida de um jovem de 17 anos que é filho de um poderoso alienígena com uma humana, Mark Grayson. O adolescente ainda está aprendendo a usar seus poderes quando se vê frente a ameaças como invasões extraterrestres e vilões sádicos. E, enquanto tenta salvar o dia e seguir os passos de seu pai, um famoso super-herói, ele também tenta sobreviver ao seu processo de amadurecimento como um ser "quase" humano. Confira o trailer:

A série não tem uma definição clara de público alvo. A violência explícita e o mistério sombrio contrastam com um drama juvenil e diálogos simplórios (pra não dizer bobos). Em compensação, o humor afiado funciona bem. O espetacular elenco de vozes que vai de J.K. Simmons até Zachary Quinto, passando por Sandra Oh, Steven Yeun, Zazie Beetz, Gillian Jacobs, entre outros; eleva (ainda mais) o nível de carisma dos personagens. Por isso, fica a recomendação: assista no idioma original!

Esteticamente, a animação 2D se aproxima menos de clássicos japoneses (como "Akira") e mais de séries juvenis (como "X-Men: Evolution") - o conceito estético segue com grande fidelidade os traços originais de Ryan Otley e Cory Walker dos HQs, com a atmosfera e o tom bastante semelhantes às histórias publicadas pela Image Comics em 144 edições entre 2003 e 2018. Também por isso, a violência é ainda mais impactante!

A duração dos episódios poderia ser menor? Sim. Apesar disso, a carga dramática é crescente na segunda metade da temporada. Os dois últimos episódios, especialmente, são uma sequência de socos no estômago – em todos os sentidos.

"Invincible" traz um frescor sangrento ao já saturado universo dos super-heróis. Para Mark Grayson, testemunhar verdades inconvenientes e a fragilidade da vida humana são os golpes que mais machucam. Vale a pena!

Escrito por Ricelli Ribeiro com Edição de André Siqueira - uma parceria @dicastreaming 

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Nuevo Orden

Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

Vale muito o seu play! 

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Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".

Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):

A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?

Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.

O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!

Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!

Vale muito o seu play! 

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O Lagosta

Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.

A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):

Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.  

O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.

O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!

Vale seu play!

Assista Agora

Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.

A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):

Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.  

O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.

O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!

Vale seu play!

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Parasita

Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)! 

"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!

Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.

Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!

A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!

Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!

Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!

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Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)! 

"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!

Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.

Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!

A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!

Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!

Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!

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The Boys

Antes de mais nada é preciso dizer: a série, embora traga muito do humor negro do seu criador Garth Ennis, não é uma adaptação fiel dos quadrinhos, mas nem por isso deve ser renegada ou subestimada. "The Boys" é, sem dúvida, uma das séries mais originais lançadas em 2019 - um prato cheio para a Prime Vídeo mostrar o seu cartão de visita e definitivamente entrar na briga pela aquisição de assinantes em um mercado que está se transformando em uma verdadeira batalha.

"The Boys" narra alguns eventos ocorridos entre 2006 e 2008, em uma Nova York ficcional, onde super-heróis existem, mas que, em sua grande maioria, tiveram seus valores morais corrompidos pela fama, sucesso e exposição. Ao se comportar de forma irresponsável, muitos desses heróis mascaram sua verdadeira personalidade se escondendo atrás do controle (e do marketing) de uma grande Corporação - o que representa uma crítica direta ao mundo das celebridades de hoje, diga-se de passagem. Continuando: após ver sua noiva ser morta por um desses heróis, Hughie Campbell (Jack Quaid) percebe que existe uma verdadeira indústria de influência para encobrir as falhas de caráter desses poderosos agentes de mídia. É preciso dar um fim nessa situação, então Hughie se une ao misterioso Billy Butcher (Karl Urban) e inicia sua bizarra jornada para desmascarar essa enorme mentira.

 

Uma das coisas mais interessantes que percebi nessa primeira temporada, foram alguns elementos narrativos muito parecidos com aqueles que encontrávamos em Breaking Bad. Está certo que são elementos pontuais, mas que foram essenciais para que a série de Vince Gilligan se tornasse um grande sucesso, pela inovação narrativa e inventividade visual. O primeiro deles é a jornada de transformação de um personagem pacato em um potencial assassino - e se inicio vemos muito de Walter White em Hughie, com o passar dos episódios temos a impressão que seu personagem é muito mais próximo do Jessie, afinal ele está sempre se questionando e sua aproximação com a Annie January (Erin Moriarty), a Starlight, só aumenta sua dúvida sobre estar no caminho certo e es caminho deve ser percorrido com um ressentido   Billy Butcher! Outro elemento bastante perceptível está na quebra das barreiras que separavamm os heróis dos bandidos, o certo do errado e até os motivos que justificavam (para quem assiste) algumas ações extremas - é preciso lembrar que em Breaking Bad torcíamos para os bandidos, nos identificávamos com suas motivações e parecia tudo "normal". Mas em "The Boys", quem são os bandidos? E por fim, e não menos importante, é o tom que série trás para seus episódios, é aquele mood quase escrachado, mas que serve para mascarar todos os dramas mais íntimos e pesados de personagens muito bem desenvolvidos, toda a ação (e reação) entre eles e, principalmente, que diminui a importância daqueles momentos mais sanguinários e impactantes da trama (ao melhor estilo Tarantino), quase como uma pintura que choca, mas que já será esquecida ou digerida ao se trocar o foco. Olha, que fique claro que não é uma comparação (é até muito cedo para isso), mas todos esses elementos tiram "The Boys" do lugar comum, basta reparar!

Resumindo: com um roteiro inteligente (cheio de detalhes e referências), uma direção muito competente, uma fotografia bem interessante e um tratamento de cor de muita personalidade - que já criou uma identidade muito particular, um look único e lindo para a série - "The Boys" mostra, para quem assiste, que nada está na tela por acaso e que se mantiver esse mesmo nível em algumas temporadas, pode realmente fazer muito barulho! Com o final da primeira temporada é fácil afirmar que a série está irrepreensível! Vale muito a pena!!!!

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Antes de mais nada é preciso dizer: a série, embora traga muito do humor negro do seu criador Garth Ennis, não é uma adaptação fiel dos quadrinhos, mas nem por isso deve ser renegada ou subestimada. "The Boys" é, sem dúvida, uma das séries mais originais lançadas em 2019 - um prato cheio para a Prime Vídeo mostrar o seu cartão de visita e definitivamente entrar na briga pela aquisição de assinantes em um mercado que está se transformando em uma verdadeira batalha.

"The Boys" narra alguns eventos ocorridos entre 2006 e 2008, em uma Nova York ficcional, onde super-heróis existem, mas que, em sua grande maioria, tiveram seus valores morais corrompidos pela fama, sucesso e exposição. Ao se comportar de forma irresponsável, muitos desses heróis mascaram sua verdadeira personalidade se escondendo atrás do controle (e do marketing) de uma grande Corporação - o que representa uma crítica direta ao mundo das celebridades de hoje, diga-se de passagem. Continuando: após ver sua noiva ser morta por um desses heróis, Hughie Campbell (Jack Quaid) percebe que existe uma verdadeira indústria de influência para encobrir as falhas de caráter desses poderosos agentes de mídia. É preciso dar um fim nessa situação, então Hughie se une ao misterioso Billy Butcher (Karl Urban) e inicia sua bizarra jornada para desmascarar essa enorme mentira.

 

Uma das coisas mais interessantes que percebi nessa primeira temporada, foram alguns elementos narrativos muito parecidos com aqueles que encontrávamos em Breaking Bad. Está certo que são elementos pontuais, mas que foram essenciais para que a série de Vince Gilligan se tornasse um grande sucesso, pela inovação narrativa e inventividade visual. O primeiro deles é a jornada de transformação de um personagem pacato em um potencial assassino - e se inicio vemos muito de Walter White em Hughie, com o passar dos episódios temos a impressão que seu personagem é muito mais próximo do Jessie, afinal ele está sempre se questionando e sua aproximação com a Annie January (Erin Moriarty), a Starlight, só aumenta sua dúvida sobre estar no caminho certo e es caminho deve ser percorrido com um ressentido   Billy Butcher! Outro elemento bastante perceptível está na quebra das barreiras que separavamm os heróis dos bandidos, o certo do errado e até os motivos que justificavam (para quem assiste) algumas ações extremas - é preciso lembrar que em Breaking Bad torcíamos para os bandidos, nos identificávamos com suas motivações e parecia tudo "normal". Mas em "The Boys", quem são os bandidos? E por fim, e não menos importante, é o tom que série trás para seus episódios, é aquele mood quase escrachado, mas que serve para mascarar todos os dramas mais íntimos e pesados de personagens muito bem desenvolvidos, toda a ação (e reação) entre eles e, principalmente, que diminui a importância daqueles momentos mais sanguinários e impactantes da trama (ao melhor estilo Tarantino), quase como uma pintura que choca, mas que já será esquecida ou digerida ao se trocar o foco. Olha, que fique claro que não é uma comparação (é até muito cedo para isso), mas todos esses elementos tiram "The Boys" do lugar comum, basta reparar!

Resumindo: com um roteiro inteligente (cheio de detalhes e referências), uma direção muito competente, uma fotografia bem interessante e um tratamento de cor de muita personalidade - que já criou uma identidade muito particular, um look único e lindo para a série - "The Boys" mostra, para quem assiste, que nada está na tela por acaso e que se mantiver esse mesmo nível em algumas temporadas, pode realmente fazer muito barulho! Com o final da primeira temporada é fácil afirmar que a série está irrepreensível! Vale muito a pena!!!!

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Treta

Se você assistir 2 episódios de "Treta", sua percepção será uma. Se você assistir 7, será outra. Se você assistir toda minissérie você vai entender perfeitamente a razão pela qual ela ganhou a maioria (para não dizer os principais) dos prêmios que disputou no Emmy 2023 e no Globo de Ouro 2024. Criada pelo sul-coreano Lee Sung Jin (um dos roteiristas de "Silicon Valley"), essa minissérie pode ser considerada uma das melhores produções da Netflix em todos os tempos - mas já te adiando: essa opinião não será uma unanimidade já que a trama, para alguns, pode parecer esquisita demais, um pouco maçante em alguns episódios e com um final, digamos, fora do usual, ao ponto de exigir muita reflexão para embarcar na proposta do seu criador. Veja, acompanhar a história de dois estranhos que se envolvem em uma briga de trânsito, passam a se perseguir e provocar um ao outro, não é algo tão criativo assim, mas a forma como isso se transforma em uma verdadeira provocação, inteligente eu pontuaria, sobre "causa e consequência", isso sim é! Além, obviamente, de ser um olhar dos mais interessantes sobre a raiva e suas implicações nas relações humanas no mundo moderno - algo que encontramos nas camadas mais profundas de "Parasita", por exemplo.

Danny Cho (Steven Yeun) é um empreiteiro frustrado com sérios problemas financeiros e de auto-estima. Amy Lau (Ali Wong) é uma empresária bem-sucedida, casada e com uma realidade muito diferente de Danny, mas nem por isso mais fácil. O caminho desses dois mundos acaba se cruzando inesperadamente após um desentendimento no trânsito. A raiva causada pelo incidente e o desejo de vingança que toma conta dos dois vão, pouco a pouco, consumindo suas mentes e trazendo consequências caóticas às suas vidas. Confira o trailer:

A partir de um olhar mais cuidadoso, é possível afirmar que a minissérie pode ser considerada imperdível por vários motivos e provavelmente o primeiro que vai te chamar atenção será o roteiro. Original e instigante, o roteiro do próprio Jin oferece uma visão diferente sobre um tema tão comum: a raiva. O texto é bem escrito, é inteligente, e sabe explorar com sensibilidade as nuances psicológicas dos personagens quando tomados por esse sentimento. Aqui não se trata apenas dos atos, mas também dos gatilhos que impulsionam um ser humano a agir de forma irracional em pleno século XXI.

Em segundo lugar, as performances dos premiados  Steven Yeun e Ali Wong são simplesmente impecáveis. Yeun, que já havia se destacado em produções como "Minari" (quando foi, inclusive, indicado ao Oscar), mostra mais uma vez seu talento, interpretando um homem ressentido e violento que busca desesperadamente ser amado - sua capacidade de construir um personagem complexo na sua intimidade e simples na sua postura cotidiana, é de se aplaudir de pé. Já Wong entrega uma performance visceral, dando vida para uma mulher forte e impulsiva, mas ao mesmo tempo carente e que luta para ser aceita como mãe, trazendo do seu passado uma série de fantasmas que pontualmente impactam demais nas suas escolhas como ser humano.

A direção de Sung Jin é o terceiro pilar de "Treta". O diretor consegue criar uma atmosfera claustrofóbica e tensa, que reflete o estado emocional dos seus personagens a cada sequência que ele se propõe a construir com uma capacidade artística que me lembrou muito Bong Joon-ho. Ao alinhar uma fotografia elegante e o uso de uma trilha sonoro especialmente eficaz, Jin entrega um verdadeiro tratado crítico e mordaz sobre a sociedade contemporânea que alimenta a raiva e a intolerância a cada "mão na buzina". Saiba que "Beef" (no original) vai ficar na sua cabeça por muito tempo, te fazendo pensar ao ponto de transformar algumas de suas atitudes dependendo da sua sensibilidade e disposição! 

Um drama com toques de humor non-sense para dar o play e esquecer (ou lembrar demais) da vida!

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Se você assistir 2 episódios de "Treta", sua percepção será uma. Se você assistir 7, será outra. Se você assistir toda minissérie você vai entender perfeitamente a razão pela qual ela ganhou a maioria (para não dizer os principais) dos prêmios que disputou no Emmy 2023 e no Globo de Ouro 2024. Criada pelo sul-coreano Lee Sung Jin (um dos roteiristas de "Silicon Valley"), essa minissérie pode ser considerada uma das melhores produções da Netflix em todos os tempos - mas já te adiando: essa opinião não será uma unanimidade já que a trama, para alguns, pode parecer esquisita demais, um pouco maçante em alguns episódios e com um final, digamos, fora do usual, ao ponto de exigir muita reflexão para embarcar na proposta do seu criador. Veja, acompanhar a história de dois estranhos que se envolvem em uma briga de trânsito, passam a se perseguir e provocar um ao outro, não é algo tão criativo assim, mas a forma como isso se transforma em uma verdadeira provocação, inteligente eu pontuaria, sobre "causa e consequência", isso sim é! Além, obviamente, de ser um olhar dos mais interessantes sobre a raiva e suas implicações nas relações humanas no mundo moderno - algo que encontramos nas camadas mais profundas de "Parasita", por exemplo.

Danny Cho (Steven Yeun) é um empreiteiro frustrado com sérios problemas financeiros e de auto-estima. Amy Lau (Ali Wong) é uma empresária bem-sucedida, casada e com uma realidade muito diferente de Danny, mas nem por isso mais fácil. O caminho desses dois mundos acaba se cruzando inesperadamente após um desentendimento no trânsito. A raiva causada pelo incidente e o desejo de vingança que toma conta dos dois vão, pouco a pouco, consumindo suas mentes e trazendo consequências caóticas às suas vidas. Confira o trailer:

A partir de um olhar mais cuidadoso, é possível afirmar que a minissérie pode ser considerada imperdível por vários motivos e provavelmente o primeiro que vai te chamar atenção será o roteiro. Original e instigante, o roteiro do próprio Jin oferece uma visão diferente sobre um tema tão comum: a raiva. O texto é bem escrito, é inteligente, e sabe explorar com sensibilidade as nuances psicológicas dos personagens quando tomados por esse sentimento. Aqui não se trata apenas dos atos, mas também dos gatilhos que impulsionam um ser humano a agir de forma irracional em pleno século XXI.

Em segundo lugar, as performances dos premiados  Steven Yeun e Ali Wong são simplesmente impecáveis. Yeun, que já havia se destacado em produções como "Minari" (quando foi, inclusive, indicado ao Oscar), mostra mais uma vez seu talento, interpretando um homem ressentido e violento que busca desesperadamente ser amado - sua capacidade de construir um personagem complexo na sua intimidade e simples na sua postura cotidiana, é de se aplaudir de pé. Já Wong entrega uma performance visceral, dando vida para uma mulher forte e impulsiva, mas ao mesmo tempo carente e que luta para ser aceita como mãe, trazendo do seu passado uma série de fantasmas que pontualmente impactam demais nas suas escolhas como ser humano.

A direção de Sung Jin é o terceiro pilar de "Treta". O diretor consegue criar uma atmosfera claustrofóbica e tensa, que reflete o estado emocional dos seus personagens a cada sequência que ele se propõe a construir com uma capacidade artística que me lembrou muito Bong Joon-ho. Ao alinhar uma fotografia elegante e o uso de uma trilha sonoro especialmente eficaz, Jin entrega um verdadeiro tratado crítico e mordaz sobre a sociedade contemporânea que alimenta a raiva e a intolerância a cada "mão na buzina". Saiba que "Beef" (no original) vai ficar na sua cabeça por muito tempo, te fazendo pensar ao ponto de transformar algumas de suas atitudes dependendo da sua sensibilidade e disposição! 

Um drama com toques de humor non-sense para dar o play e esquecer (ou lembrar demais) da vida!

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